Um outro jeito de resistir, por Bruno de Castro

Neste 21 de março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial, convidamos o jornalista e escritor Bruno de Castro para falar sobre o tema e celebrar as influências da cultura negra em nossa sociedade

Brunode Castro
Brunode Castro

Bruno de Castro
Jornalista e integrante do coletivo Ceará Criolo
bruno.castro.jornalismo@gmail.com

Você combate a discriminação racial não apenas ao denunciar um crime de racismo e fazer textão sobre o episódio pra postar na Internet. Essas duas coisas são importantes, claro. Mas quando você reconhece (e valoriza) a influência negra na formação cultural do nosso povo, na sua formação cultural, portanto, também ajuda a desconstruir muito das desigualdades étnicas ao seu redor.

É importante saber que muitos hábitos alimentares nossos nasceram séculos atrás, com os pretos das senzalas. Aquela feijoada que você adora fazer pros amigos num domingo de churrasco nasceu da engenhosidade negra. Assim como o acarajé, o caruru, o mungunzá, o cuscuz e o vatapá, tão idolatrado no período de festas juninas do Ceará.

Festas essas que, por sinal, também têm influência negra. O festejo em si é europeu, mas a adaptação à brasileira ganhou fantasias feitas de chita, um tecido muito utilizado pelos negros escravizados por ser barato e, à época, ser tido, inclusive, como de má qualidade e sem muita serventia. Logo o que era principalmente das pretas, que adoravam o colorido das estampas, foi apropriado pelo povo branco.

O maracatu é outra manifestação cultural necessária de valorização. Especialmente por ser, na integralidade, de origem afro (no Brasil, surgiu em Pernambuco pelos idos do século 18). Quando você sabe disso, prestigia os grupos de maracatu da sua cidade (que são sempre vários e de diferentes ritmos) não apenas em período carnavalesco. Essas agremiações existem o ano inteiro, têm calendário próprio de ensaios tanto quanto a escola de samba que você, se for de Fortaleza, acompanha nos cortejos da Praia de Iracema.

Por falar nele, o samba é outro elemento negro da nossa cultura que, no Brasil, nasceu no Rio de Janeiro e tem fortes traços da Bahia. Mas foi bastante marginalizado antes de ser venerado como é hoje. Antigamente, o termo “samba” era usado para referir-se às inúmeras danças brasileiras africanas e às músicas que acompanhavam cada uma delas.

Nem sempre o samba que você escuta hoje no rádio, no programa de televisão (interpretado por um branco) ou no seu player preferido foi um ritmo abraçado pela branquitude. Séculos atrás, ouvir essa cadência gostosa era “coisa de preto” (no pior dos significados que se tentava atribuir ao nosso povo à época).

O fato é que a gente é rodeado de referências negras. E negligencia quase todas. Ou por ignorância (no sentido de não saber mesmo que elas são negras) ou por estar condicionado a associar a imagem do povo preto somente a heranças ruins. A vida inteira nós somos orientados a isso.

Eu, por exemplo, cresci em um mundo no qual Machado de Assis era branco no imaginário popular. Só agora, 111 anos após a morte do escritor, “descobriram” que um dos maiores nomes da literatura brasileira (senão o maior) é, na verdade, preto. Curioso, não?

O tempo todo, a todo instante, fazem questão de apagar a influência cultural negra da nossa história. Mas ela está aí. Basta a gente exercitar o olhar para enxergar (e não apenas ver para reproduzir estereótipos e preconceitos). O dia de hoje, de luta contra a discriminação racial, é uma ótima oportunidade pra isso. E pra ser resistência também de outro jeito. Vamos?

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