Steve Carell fala sobre seu retorno ás séries de comédia com ‘Space Force’, da Netflix

SPACE FORCE
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Parece que estamos falando de uma galáxia muito distante, mas ainda vivíamos em uma era pré-streaming e pré-Trump quando Steve Carell se desgarrou da sua última série de comédia, “The Office”, que rendeu a ele fama mundial como o inimitável Michael Scott.
Carell decidiu se despedir da série da NBC há nove anos, ao fim da sétima temporada, para se dedicar a uma carreira cinematográfica então ascendente –culminou numa indicação ao Oscar em 2015, por “Foxcatcher”–, e não quis saber de televisão por um tempo.

No ano passado, os astros se realinharam. Carell aceitou assumir um papel de tom mais grave em “The Morning Show”, drama emblemático do MeToo na Apple TV+, e engata a segunda marcha nesta semana com a estreia de “Space Force”, série cômica da Netflix que ele protagoniza como o general Mark Naird –e da qual também é criador, junto com Greg Daniels, a mente por trás do escritório da Dunder Mifflin.

“Fez sentido para nós assumir algo que parecia uma tela completamente em branco”, diz Carell a este repórter, em referência ao tema da nova série. “Queríamos fazer uma ponte entre o bobo e o sério. Eu sempre achei que as coisas são mais engraçadas se são de alguma forma baseadas na realidade.”

E que realidade. A premissa de “Space Force”, a que o ator se refere, é a criação de um novo braço das Forças Armadas, liderado por seu personagem, que tem o objetivo de fortalecer a presença americana fora da Terra. “Seria fácil entrar num projeto assim com um tom de gozação, para rebaixar a ideia toda, mas essa não era a nossa intenção, mesmo”, afirma o ator de 57 anos. “Queríamos olhar a enormidade do projeto, o que esses homens e mulheres estavam enfrentando, e encontrar comédia nisso.”

Se a missão extraterrestre ainda é ficção, não soa nada alucinado nos termos da geopolítica dos tempos atuais. Basta ver a explicação que o secretário de Defesa dá na reunião que efetiva a tal força espacial. “A internet da nação, incluindo o Twitter, passa por satélites vulneráveis. O presidente quer dominar o espaço por completo”, ele diz.

Incredulidade na sala, Mark Naird abafa uma risada, até ser avisado de que será o líder da operação. O secretário continua. “Não é piada. Palavras dele, ‘Boots on the Moon 2024!’ [botas na Lua em 2024]. Na verdade, ele disse ‘boobs on the Moon’ [peitos na Lua], mas acho que foi o corretor.”

Ainda que ele não seja lembrado pelo nome, nada mais governo Trump que essa cena, numa série que fala diretamente ao nosso momento. O general meio atrapalhado de Carell encontra um contraponto direto no cientista sóbrio de John Malkovich, que precisa arranjar jeitos de desviar dos achismos sem base do comandante e forçar a ciência a falar mais alto no projeto.

“Meu personagem, Mallory, leva a missão muito a sério. A meta dele é explorar o espaço e voltar à Lua”, diz Malkovich. “O que tenta fazer, porém, é alcançar o seu objetivo sem alcançar o do presidente, que é militarizar e colonizar o espaço.”
O comportamento mais rústico do militar de Carell, contudo, não é totalmente ridicularizado. É meio brutamontes, mas não um completo idiota. Naird toma decisões pela víscera, é aquele cara que se gaba de “entender de pessoas” –e às vezes isso faz com que, no fim, ele esteja certo.

“É uma das razões pelas quais criamos esses dois personagens lado a lado”, afirma o ator, que levantou a série do zero a partir de uma ideia da Netflix. “Parecem diametralmente opostos, mas no fim encontram terreno comum. Às vezes é um terreno instável, mas o ponto chave é que aprendem um com o outro. E viram pessoas mais fortes por isso.”
Ele se interrompe e pensa um pouco. “É tão estranho falar sobre uma comédia assim”, diz. “Acho que as pessoas vão esperar que seja bobo, debochado, mas estávamos realmente tentando criar personagens que tinham uma razão para existir.”

“Estávamos falando com um grupo de veteranos de guerra outro dia, e um dos comentários foi que a série capturava bem a sensação de ansiedade, de espera no meio militar. Manter em mente que o que essas pessoas estão enfrentando é formidável dá um peso à série. E ao mesmo tempo cria oportunidade para tolices.”
De fato, “Space Force” tem um enfoque mais sóbrio do que outras comédias estreladas pelo ator, como “O Virgem de 40 Anos”, “O Âncora” e mesmo “The Office”.

Seu tom é contaminado pelo peso político de um projeto daquele tamanho, e são temas frequentes ali os orçamentos bilionários, a guerra informacional contra outros países e negociações duras com o governo –o Congresso, por exemplo, é palco de cena excelente com Malkovich, Carell e uma deputada muito parecida com Alexandria Ocasio-Cortez.
Como é praxe nos trabalhos de Greg Daniels, que também tem “Parks and Recreation” no currículo, “Space Force” elabora um mosaico irresistível de personagens menores na criação de seu microcosmo.

Ao ouvir do repórter que seu Mallory sobressai como aquele que mais leva o trabalho a sério, Malkovich discorda. “Eles todos levam o que fazem a sério. Alguns só não são muito bons nisso. E muito do que fazem não é lá muito importante, exceto para eles mesmos.”
Há o impagável assessor de comunicação que tenta fazer Naird usar as gírias da moda, o militar russo que começa a namorar a filha do protagonista por prováveis motivos escusos, o secretário que nunca falha em ser incompetente.

E, fora da missão, há Lisa Kudrow emprestando sua adorável esquisitice à esposa de Naird e Fred Willard no último papel antes de sua morte, na semana passada.
Mesmo que Carell diga que o desembarque de volta na televisão “não foi uma decisão consciente” e que escolhe cada papel pelo interesse no personagem, uma comédia com o produtor que o ajudou a criar Michael Scott parece um terreno seguro para pousar.

“Quando ‘Space Force’ surgiu, me pareceu uma oportunidade ótima para criar algo divertido de novo com Greg”, diz o ator. “Falamos muito dos aspectos mais sérios, mas ao final o que queríamos fazer era algo agradável. No fim do dia, se as pessoas puderem se divertir com isso, estamos felizes.”

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