Entenda como as polêmicas recentes impactam as chances de “Ainda Estou Aqui” e Fernanda Torres no Oscar 2025

Com uma trajetória marcante, “Ainda Estou Aqui” e Fernanda Torres podem estar cada vez mais próximos de uma estatueta do Oscar. Para entender melhor as chances de vitória e o impacto de polêmicas recentes, Tapis Rouge traz as análises de especialistas na indústria cinematográfica

Onivaldo Neto
onilvado@ootimista.com.br

A um mês para a cerimônia da 97ª edição do Oscar, que ocorre em 2 de março, surpresas e novos acontecimentos acerca da premiação e seus indicados não param de estampar as manchetes dos jornais. Se consolidando como uma das edições mais acirradas dos últimos tempos, o Oscar 2025 marca também um momento histórico e de grande visibilidade para o cinema nacional, com Ainda Estou Aqui, do diretor Walter Salles, indicado a Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz, e Melhor Filme – indicação até então inédita para o Brasil. Tapis Rouge falou com críticos de cinema para entender, de maneira mais aprofundada, como as recentes polêmicas em volta de Fernanda Torres e do longa-metragem podem impactar nas indicações ao Oscar, bem como as reais chances dos concorrentes em questão trazerem tais estatuetas para o Brasil.

Gascón x Torres

A atriz Karla Sofía Gascón, concorrente de Fernanda Torres na categoria de Melhor Atriz, causou um grande rebuliço nas redes sociais, nesta semana, em entrevista concedida à Folha de São Paulo. Gascón acusou a equipe de Torres de criticar ela e o filme “Emilia Perez” na web. Sem apresentar provas ou citar nomes, a espanhola afirmou: “O que eu não gosto é que há uma equipe nas redes sociais que trabalha no entorno dessas pessoas tentando diminuir o trabalho dos outros, como o meu, ou um filme. Eu, em nenhum momento, falei mal de Fernanda Torres ou de seu filme, mas vejo muitas pessoas que trabalham no ambiente de Fernanda Torres que falam mal de mim e de’ Emilia Pérez’”.

A declaração polêmica teve um efeito imediato, com o surgimento de diversos comentários pedindo o cancelamento da indicação de Gascón por ter supostamente quebrado as regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela entrega do Oscar. Segundo o regulamento da premiação, é proibido que qualquer pessoa que esteja envolvida em um filme elegível tente criar uma imagem negativa de outro filme concorrente. Apesar dos pedidos para a desqualificação de Karla, de acordo com a Folha de São Paulo, diretores da Academia avaliaram a fala da atriz e chegaram ao entendimento de que ela não infringiu o regulamento da honraria. Sendo assim, foi dispensada a aplicação de qualquer tipo de punição à artista espanhola.

No entanto, as acusações à equipe de Torres trouxeram consequências negativas para Gascón. Usuários do X (antigo Twitter) resgataram diversas publicações feitas pela atriz em 2020 e 2021 que continham opiniões consideradas ofensivas e de teor racista, gordofóbico, xenofóbico e machista. Os post chamaram atenção por abordarem temas como a expulsão de árabes da Europa, a diversidade em cerimônias do Oscar e até mesmo o caso do assassinato de George Floyd. Em uma das mensagens, datada de 2020, Gascón escreveu: “Sinto muito, é só impressão minha ou há mais muçulmanos na Espanha? Toda vez que vou buscar minha filha na escola, há mais mulheres com os cabelos cobertos e as saias abaixadas até os calcanhares. No ano que vem, em vez de inglês, teremos que ensinar árabe”.

Diante da repercussão de suas falas problemáticas, Karla Sofía Gascón divulgou um comunicado pedindo desculpas por suas palavras. Quero reconhecer a conversa em torno de minhas postagens anteriores nas redes sociais que causaram mágoa. Como alguém de uma comunidade marginalizada, sei muito bem o que é esse sofrimento e lamento profundamente aqueles a quem causei dor. Durante toda a minha vida, lutei por um mundo melhor. Acredito que a luz sempre triunfará sobre a escuridão, discorreu a atriz por meio da revista Variety.

Além de causar grande comoção nas redes sociais, o caso envolvendo Sofía e Fernanda também chamou atenção de críticos e especialistas em cinema. Renan de Andrade, professor universitário e crítico de cinema associado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine), salienta que situações que envolvam suposições negativas sobre indicados são comuns antes da cerimônia do Oscar. “Isso sempre existiu no Oscar. Infelizmente, isso começou a acontecer com mais força na época do Harvey Weinstein, que era o grande chefão da Miramax. Então, tudo isso são narrativas criadas e que ajudam […] elas dão tom de quem vai vencer o Oscar, quem vai levar o prêmio”, explana.

Ainda de acordo com o crítico, a declaração da artista espanhola pode prejudicar não só a atriz brasileira, mas também a si própria, além de favorecer Demi Moore, indicada a Melhor Atriz por “A Substância”. “Quem é que está ganhando com isso? É a campanha da Demi Moore, que está voando em céu de brigadeiro. Não quero dizer que seja uma teoria da conspiração isso está acontecendo, eu estou dizendo que o jogo de estratégias é esse. Esse é o jogo de estratégia que o Oscar coloca”, afirma.

Já Elvio Franklin tem uma visão mais positiva sobre o ocorrido. O crítico de cinema, também associado à Aceccine, defende que nem Fernanda Torres e nem a campanha de “Ainda Estou Aqui” sairão prejudicadas dessa situação provocada por Gascón. “Eu acho que é mais uma tentativa de minar o filme numa estratégia que não é impensada, não é à toa, já que o filme tem bastante chances. Então, eu acho que na verdade isso pode ser prejudicial até mesmo para o próprio “Emília Pérez”, que já é um filme que tem se envolvido em várias polêmicas, e parece que vem se alimentando disso”, pontua.

O profissional acrescenta ainda que a filha de Fernanda Montenegro pode, inclusive, se beneficiar da polêmica. “Isso pode, na verdade, ajudar a campanha da Fernanda Torres, até porque poucos dias atrás, a própria Fernanda Torres, gravou um vídeo tentando amenizar qualquer tipo de rivalidade que se criasse na internet entre as duas atrizes. E isso conta muito mais do que uma acusação falsa ou uma acusação sem provas”, conclui.

Chances de Fernanda Torres

Após 26 anos, o Brasil voltou a ser representado na categoria de Melhor Atriz no Oscar com Fernanda Torres. Além de Karla Sofía Gascón e Demi Moore, a protagonista de “Ainda Estou Aqui”, disputa a estatueta com Cynthia Erivo, por “Wicked”, e Mikey Madison, por “Anora”. Na categoria, Fernanda sucede a própria mãe, a atriz Fernanda Montenegro, indicada em 1999 por seu papel como Dora em “Central do Brasil”. A grande dama da atuação brasileira, como Montenegro é conhecida lá fora, foi a primeira atriz latino-americana a concorrer na principal categoria de atuação da prestigiada premiação. Apesar de favorita entre os críticos, Fernanda Montenegro perdeu a estatueta para Gwyneth Paltrow por sua performance em “Shakespeare Apaixonado”.

Para muitos brasileiros, a vitória de Paltrow é lembrada como uma das grandes injustiças da Academia, como apontou o portal americano, Collider. Ao discorrer sobre Fernanda Torres e sua indicação, o veículo defendeu que o Oscar pode corrigir um “erro histórico” com a vitória da brasileira na categoria de Melhor Atriz. Segundo o site, há uma narrativa poderosa sendo tecida sobre uma filha recebendo o prêmio que deveria ter sido para sua mãe.

Porém, mesmo com aspectos favoráveis, a brasileira tem um longo caminho a percorrer, conforme Renan. “As chances de vitória da Fernanda são boas, mas há um equilíbrio grande nisso, porque é uma questão de estratégia de campanha. Intensificar a conversa da Fernanda com o público fora de Los Angeles é muito importante, ou seja, em Nova Iorque, nessa parte mais ao leste dos Estados Unidos. Intensificar também na Europa e na América Latina, porque são muitos votantes que estão ali. E, nesse caso, a Fernanda consegue extrair desse público uma maior atenção”, pondera.  

A categoria de Melhor Atriz, de acordo com Elvio, é a que “Ainda Estou Aqui tem” a melhor chance de ganhar entre as que foi indicado. “Eu sempre repito isso, desde que eu acompanho o Oscar, que a categoria de Melhor Atriz tem sido desde muito tempo a categoria mais difícil de você tentar apostar numa vencedora. Ainda assim, eu acho que a gente tem grande chance, principalmente levando em consideração o feito da nossa vitória no Globo de Ouro”, comenta.

Para que esse cenário favorável a Fernanda seja mantido, Renan alerta para a importância de manter uma postura respeitosa e estratégica durante a premiação. “Uma das coisas que não pode acontecer e não poderia estar acontecendo, são esses ataques a qualquer adversário de Fernanda Torres e do filme. Isso está estabelecendo uma provocação. E essas provocações jamais poderiam ter acontecido. Porque vão gerar manchetes negativas na imprensa de lá, como já estão gerando […] Isso prejudica demais o filme”, expõe.

Indicações

Superando as expectativas dos brasileiros, “Ainda Estou Aqui” garantiu não só uma como três vagas no Oscar, sendo elas: Melhor Atriz para Fernanda Torres, Melhor Filme Internacional, e pela primeira vez na história a de Melhor Filme, que além de ser uma grata surpresa é um marco para o cinema brasileiro. Na categoria mais visada do Oscar o longa concorre com produções grandiosas como “Wicked”, “Emilia Pérez”, “Duna 2”, “Nickel Boys”, “Um Completo Desconhecido”, “Conclave”, “Anora”, “O Brutalista” e “A Substância”. Já pela estatueta de Filme Internacional, “The Girl with the Needle”, “Emilia Pérez”, “The Seed of the Sacred Fig” e “Flow” são a concorrência de “Ainda Estou Aqui”.

Mesmo que as indicações por si só já representam uma grande vitória para a sétima arte nacional, as chances do longa de Walter Salles ser premiado são animadoras e uma possibilidade real, como sugere Renan. “Em Filme Internacional eu acho complicado hoje em dia a gente falar que existe um grande favoritismo da Emília Pérez”. Hollywood já fala que não vai ser nenhuma surpresa se “Ainda Estou Aqui” ganhar. É uma categoria que está dividida, mas que é possível, sim, nós vencermos”, discorre.

Para Elvio, “Emília Pérez” é a principal ameaça para o longa brasileiro na categoria. No entanto, algumas críticas que o filme francês vem sofrendo podem impactar a trajetória na reta final. “Eu acho que em Melhor Filme Internacional, o nosso principal problema pode ser o próprio Emilia Pérez, apesar de que muita água ainda vai rolar, porque a campanha de divulgação do filme tem sido bastante difícil por conta de muitas críticas, que são justas, na minha opinião. Eu diria que pode ser que o filme perda tamanho e a gente acabe tendo mais chances ainda em Filme Internacional”, diz.

Quanto à estatueta de Melhor Filme, de acordo com Elvio, é a menos provável que “Ainda Estou Aqui” traga para casa. Embora surpresas aconteçam na premiação, a concorrência deste ano torna difícil imaginar um triunfo do longa de Walter Salles na principal categoria do Oscar. “Não acho que a gente ganha [Melhor Filme], apesar de que existe sempre a possibilidade, mas seria muito inesperado, até mais inesperado do que outros feitos anteriores como o de Parasita, que é um filme estrangeiro. Mas não acho que a gente tenha, infelizmente, chance de vencer o de Melhor Filme”, afirma.

Diferente de outros anos, em que um título despontava com vantagem, desta vez a categoria está mais equilibrada, segundo Renan. Para o crítico há, sim, a possibilidade de que “Ainda Estou” Aqui possa ser escolhido como o grande vencedor do Oscar 2025 devido à dinâmica de votação da Academia. Renan explica que os votantes elegem os filmes em ordem de preferência. Caso nenhum longa consiga figurar em 50% ou mais das listas submetidas, a Academia retira o longa que menos foi colocado na primeira posição e repete a contagem até chegar num vencedor de consenso.  

“E aí nessa parte do vencedor de consenso, eu, entre aspas, me surpreenderia, mas nem tanto se ‘Ainda Estou Aqui’ ganhasse, porque ele é o filme de consenso. Com certeza o longa vai estar pelo menos no Top 4 e Top 5 dos votantes. Ele pode simplesmente chegar lá e atingir os 50% mais um. Dentro dessa rede de distribuição, pode acabar levando o Oscar. Mas é imprevisível saber quem vai ganhar hoje”, explica.

Por outro lado, Elvio reforça que apenas a indicação de “Ainda Estou Aqui” na categoria de Melhor Filme no Oscar pode impactar diretamente outras categorias em que a produção concorre. Segundo o crítico, a visibilidade ampliada entre os votantes da Academia pode favorecer tanto a performance de Fernanda Torres na disputa por Melhor Atriz quanto o reconhecimento do longa na categoria de Melhor Filme Internacional. O destaque na principal categoria da premiação deve aumentar o interesse e a atenção dos membros da Academia e provocar um olhar mais atento para a produção e sua protagonista. Esse fator pode ser decisivo na reta final da votação, fortalecendo as chances do Brasil na premiação.

Incêndios em LA

Na primeira semana de janeiro, incêndios florestais assolaram a cidade de Los Angeles, na Califórnia, forçando a evacuação de mais de 30 mil pessoas. Além de caos e devastação, as queimadas trouxeram incertezas para a indústria cinematográfica, impactando diretamente no Oscar 2025. Apesar de não alterar a cerimônia da premiação, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, precisou adiar a divulgação das indicações em duas ocasiões, demonstrando as implicações dos incêndios na rotina da indústria.

Além dessas pequenas mudanças, os incêndios também acabaram afetando as agendas de divulgação de diversos filmes indicados ao Oscar, dentre eles “Ainda Estou Aqui”. Foi necessário remarcar entrevistas e cancelar compromissos, sem contar a perda de vitrines importantes, como a do Satellite Awards, que não realizou cerimônia devido às queimadas em LA. A premiação condecorou Fernanda Torres na categoria de Melhor Atriz em Filme de Drama.

Apesar disso, para Renan, o impacto dos incêndios em Los Angeles acabou favorecendo “Ainda Estou Aqui” na corrida pelo Oscar. Isso porque, com a prorrogação do prazo de votação da Academia, muitos membros tiveram mais tempo para assistir ao filme, especialmente após sua visibilidade ampliada com a vitória no Globo de Ouro. “Ajudou inclusive a entrar para Melhor Filme. Por causa desse adiamento devido aos incêndios. Então, quanto mais pessoas assistirem, melhor para o filme. Isso é importante”, assegurou.

Onde assistir

A cerimônia de premiação do Oscar acontecerá no dia 2 de março, um domingo, a partir das 21h (horário de Brasília), no Dolby Theatre, em Los Angeles, Hollywood. A previsão é que a cerimônia se estenda até a meia-noite. No Brasil, a transmissão ao vivo será feita pelo canal TNT e pela plataforma de streaming Max.

RELACIONADOS

PUBLICIDADE

POPULARES