Côca Torquato celebra o Nordeste e o Movimento Armorial em exposição no Mauc, com 70 obras que unem porcelanas, aquarelas e a poesia dos pássaros. A mostra, inspirada no poema de Virgílio Maia e “abençoada por Ariano Suassuna”, é um convite à fraternidade e à ancestralidade, sob a curadoria de Ignês Meneleu Fiuza
Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br
Se a beleza das aves em voo te emocionam ou as poesias que falam de encontros e afetos te tocam, este é o momento de mergulhar em uma experiência artística que une tudo isso a uma historicidade marcadamente nordestina. A artista visual Côca Torquato apresenta, no Museu de Arte da UFC (MAUC), a exposição Só para ver-te agora são meus olhos. Com 70 obras, entre porcelanas e aquarelas, a mostra é um convite para refletir sobre fraternidade, amor e a riqueza da cultura nordestina: tudo isso com a assinatura inconfundível do Movimento Armorial — iniciativa artística que surgiu nos anos 1970, sob idealização do escritor Ariano Suassuna (1927-2014), que engloba diversas artes plásticas.
A exposição, que reúne 40 pratos de porcelana e 30 aquarelas em nanquim, é uma homenagem ao poema homônimo de Virgílio Maia, marido da artista. “O título da exposição, Só para ver-te agora são meus olhos, é um poema do Virgílio. Quando eu vi o tema, achei muito bonito e fiquei com isso guardado. Pensei: vou fazer uma exposição com esse tema”, conta Côca. A escolha dos pássaros como protagonistas das obras não foi por acaso. “Eles são um símbolo de leveza, do divino, da alma e também de fraternidade e de amizade. É essa mensagem que eu quero passar”, explica a artista, que, durante a pandemia da covid-19, encontrou nos pássaros uma inspiração para preencher os dias de isolamento.
A curadoria da exposição, assinada por Ignês Meneleu Fiuza, destaca a unidade entre as obras e a conexão com o Movimento Armorial. “A arte de Côca Torquato é inspirada nos princípios estéticos do Movimento Armorial, com valorização da cultura popular brasileira. Nas obras dela, pulsam elementos da arte rupestre, da paisagem nordestina e das aves do sertão. Esse é o grande diferencial da produção da artista, que segue expressando sentimentos e sensações com elementos das suas raízes culturais para produzir uma arte de qualidade técnica e conceito amplo”, afirma Ignês. A curadora ressalta ainda a delicadeza e a sensibilidade presentes tanto nas porcelanas quanto nas aquarelas: “Nas duas técnicas, Côca expressa sua arte com igual beleza e criatividade, apesar dos diferentes suportes. Ambos requerem delicadeza nos traços e liberdade de cores e formas”.
Sob a bênção do mestre
A influência do autor de Auto da Compadecida (1955) na obra de Côca é marcante. O próprio escritor, em texto de apresentação, destacou a importância da artista para o movimento. “Seu trabalho tem uma unidade que honra a todos nós que integramos o Movimento Armorial. Sua presença é um grande alento para quem valoriza a cultura brasileira”, escreveu o paraibano, à época. Ele também reforçou que Côca se assemelha a ele por ser uma sertaneja de formação urbana: nascida no Interior — em Parambu, nos Inhamuns; ele ido muito jovem para Fazenda Acauã, em Sousa —, mas criada na capital — ela em Fortaleza, ele em João Pessoa. E apontou: “Uma vez estimulados à busca e à decifração do enigma, surge o momento em que cada artista deve trilhar o seu caminho numa viagem solitária e que só poderá empreender com seus próprios pés. É essa viagem que Côca Torquato vem realizando de uns anos para cá, com a minha aprovação e minha bênção”.
Côca reforça essa conexão: “A opção por fazer parte do Movimento Armorial foi totalmente espontânea e de identificação. Ariano queria valorizar a cultura popular, dizendo que é belíssima e que você pode, em cima dela, recriar outras coisas com outro olhar. E foi isso que eu fiz”.
Isolamento e inspiração
A pandemia também deixou suas marcas na produção da artista. “Aquele isolamento, o silêncio que só era quebrado pelo canto dos pássaros, me inspirou muito. Eu quis usar os pássaros como símbolo de solidariedade, de amor, de fraternidade, de encontro”, relembra Côca. Das 70 obras da exposição, 30 foram produzidas durante esse período, refletindo um momento de introspecção e busca por leveza, em meio ao turbilhão que foi o período.
A exposição, que fica em cartaz até 25 de abril, é uma celebração da arte nordestina e da capacidade de transformar memórias e afetos em obras de beleza atemporal. Para quem visitar o Mauc, a dica é se inspirar nas memórias de infância para se deixar levar pelos traços livres, pelas cores terrosas e pelos pássaros que parecem ganhar vida nas porcelanas e aquarelas de Côca Torquato. Afinal, como a artista diz, “a arte é um refúgio, um lugar onde a gente pode expressar o que sente e compartilhar com o mundo”.
serviço
Exposição Só para ver-te agora são meus olhos
No Museu de Arte da UFC (Mauc). Avenida da Universidade, 2854, Benfica
Visitação de segunda a sexta das 8h às 12h e das 13h às 17h (exceto feriados). Exibição até 25 de abril.
Entrada gratuita, acessível e livre
Informações pelo Instagram @museudeartedaufc