Ao longo dos últimos anos, a educação pública do Ceará colecionou resultados positivos. O ranking das 100 melhores escolas públicas do Brasil passou a ter 77 cearenses (incluindo das 24 primeiras), o número de escolas profissionalizantes passou para 111 (ou 33% da rede, o segundo melhor número do País), os indicadores de qualidade da educação apresentaram melhorias. Unidades de saúde foram inauguradas e ampliadas. Estradas foram abertas no sertão e nos litorais leste e oeste. Os aeroportos de Jericoacoara e Aracati entraram em operação e novos voos foram captados para Fortaleza, bem como o aeroporto concedido para uma das maiores empresas do ramo no mundo, que investirá cerca de R$ 1 bilhão nos próximos anos.
Estes feitos, que parecem ter saído do noticiário da década passada, demonstram que a instabilidade econômica e política do Brasil e a seca que entrava pelo sexto ano não foram suficientes para barrar conquistas de diversas políticas públicas do Ceará. Os investimentos se mantiveram fortes – somos o estado que mais investe na proporção com o número de habitantes e o segundo nominalmente, atrás apenas de São Paulo – e novas oportunidades de negócio foram abertas.
Nesta entrevista, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), fala sobre o trabalho feito para se chegar a estas realizações e os novos desafios que o estado terá pela frente.
Tapis Rouge – O senhor recebeu a Ordem Nacional do Mérito Educativo, a maior comenda da educação no Brasil, em reconhecimento às iniciativas de melhoria da educação no Ceará. O que significa para o senhor receber esta comenda?
Camilo Santana – É muito honroso mostrar que a gente pode ter uma educação pública de qualidade, que é o grande caminho para construir uma sociedade melhor, mais justa; para a juventude poder sonhar em ter uma vida melhor. É nisso que a gente acredita e vai continuar apostando. E os resultados da educação são resultados de um esforço coletivo, tanto que eu quebrei o protocolo na hora e chamei a vice-governadora, Izolda Cela, que iniciou todo este processo ainda no Governo Cid, e dois alunos.
TR – Melhorar a educação é um desafio que o senhor assumiu?
Camilo Santana – Sem dúvida. Quando eu assumi, a transformação começou com a alfabetização, depois foi para o quinto ano e depois passou para o nono. O foco agora é o fortalecimento do Ensino Médio. Hoje o Ceará é o estado que tem o maior número de obras na área da educação, toda quinta-feira é dia de inaugurar alguma obra nova. Temos o segundo maior número de escolas profissionalizantes, já são 111 e queremos chegar ao primeiro lugar em breve, em um ou dois anos. (Atualmente, 33% das escolas são profissionalizantes, a meta do Governo do Estado é chegar a 50%, ou 228 escolas do tipo, até 2020). Os resultados são melhores a cada ano, a prova disso é que temos 77 das 100 melhores escolas públicas do Brasil, além de 16.897 ex-alunos de escolas públicas que ingressaram nas universidades só este ano.
“A meta prioritária é fortalecer os instrumentos de saúde, educação e segurança. Os investimentos nestas áreas vêm crescendo ano a ano, independente de crise.”
TR – Quando uma gestão prioriza a educação, as metas mudam periodicamente. Depois dos resultados do Paic (Programa Alfabetização na Idade Certa) e das escolas profissionalizantes e de tempo integral, qual é o próximo desafio da educação no Ceará?
Camilo Santana – Nós chegamos a um nível de excelência na alfabetização (2° ano), procuramos outra meta, que é ter um nível de excelência equivalente no nono ano, que é o mais difícil do fundamental. E os resultados de 2017 foram os melhores nos últimos 10 anos. O desafio agora é no Ensino Médio. Diminuir a evasão e segurar o aluno nesta transição entre o Fundamental e o Médio. Todos os alunos são acompanhados pelas escolas para saber por que falta, se há alguma coisa que a escola possa ajudar. Temos o “Cheguei Ensino Médio”, com eventos que visam envolver o aluno com a escola. Vamos premiar os municípios que mais diminuírem a evasão, porque todo ano entre 35 mil e 40 mil alunos abandonam a escola e podem entrar em situação de vulnerabilidade. Resumindo, as grandes metas são zerar a evasão, universalizar a educação em tempo integral e melhorar os indicadores do Ensino Médio.
TR – E para quem já está no Ensino Médio?
Camilo Santana – Nós estamos preparando o jovem para ingressar no mercado de trabalho e aproveitar as oportunidades que estão chegando ao Ceará, como os hubs, por exemplo. Cada vez mais a gente vai precisar de profissionais qualificados, que falem línguas estrangeiras, por isso vamos abrir 11 Centros de Línguas com cursos de Inglês e Espanhol em todo o Ceará. Os alunos com bons resultados são premiados, só ano passado foram distribuídos 42 mil computadores. Temos ainda o Avance, que dá uma bolsa de meio salário mínimo por até um ano para jovens universitários oriundos de escola pública. É o único programa do País que ajuda o jovem carente a permanecer na universidade. Sem falar nas 4 mil carteiras de motorista que a gente entregou para jovens carentes. São todos estímulos para que o aluno não desista da escola, progrida, chegue à universidade e se mantenha.
TR – Como foi possível continuar a investir na educação mesmo diante da crise? Não somente neste setor, mas o Ceará foi capaz de manter uma saúde fiscal e ser o estado com o maior investimento público em relação ao número de habitantes.
Camilo Santana – A meta prioritária é fortalecer os instrumentos de saúde, educação e segurança. Os investimentos nestas áreas vêm crescendo ano a ano, independente de crise. O fato de já ter experiência na gestão pública, como os quase oito anos em que fui secretário do governador Cid, permitiram que antes que a crise chegasse com muita força, a gente pudesse se preparar e planejar. Com muita inovação e uma equipe muito eficiente, fizemos desonerações e aumentos de impostos em setores chave, o que aumentou a arrecadação. A gente chama o setor, negocia, abaixa a alíquota e o crescimento do setor compensa a perda de arrecadação. Um outro fator foi uma coisa que a gente precisa discutir no Brasil inteiro, que é a concentração de renda muito forte, então resolvemos fazer uma distribuição social da riqueza ao aumentar a alíquota de transmissão de bens de 4% para 8% em espólios de mais de R$ 1,5 milhão. Equacionamos queda e aumento de arrecadação, cortamos gastos onde foi possível para realocar nas áreas onde a população mais cobra, que é educação, segurança, saúde e infraestrutura.
TR – Investimentos externos, tais como os que viabilizaram os hubs aéreo, portuário e de cabos de comunicação, também ajudaram o Ceará a contornar a crise?
Camilo Santana – Nesse cenário de crise, a gente também passou a buscar investimentos fora do Brasil, valorizando a nossa localização geográfica estratégica para atrair novos negócios. A nossa localização privilegiada é que permitiu ser um centro distribuidor de voos internacionais, consolidado pelo hub da KLM-Air France em parceria com a Gol. O voo da KLM também é estratégico por fortalecer o eixo marítimo, porque a ideia é que o Ceará tenha três hubs: o aéreo, o portuário (parceria do Pecém com o Porto de Roterdã e a linha da Maersk, gigante do setor de logística que implantou a rota Ceará-Ásia), e o de dados, com a Angola Cables, que está fazendo um centro de dados aqui. Assim a gente tem, além das aéreas, parceria do Porto de Roterdã, que é o maior da Europa e sócio da CIPP S.A. (fusão da ZPE com a Ceará Portos); e podemos atrair outras multinacionais e estimular o surgimento de várias startups, aproveitando que todos os cabos de transmissão de dados que entram na América do Sul passam por Fortaleza.
“Nenhum país do mundo se desenvolveu sem ter justiça social e boa educação, esse é o caminho. E o maior desafio é continuar lutando para garantir um estado de paz para os cearenses.”
TR – O Ceará tem se voltado para os mercados europeu, asiático e estadunidense. Também há iniciativas em curso para aumentar o intercâmbio comercial com outros países sulamericanos?
Camilo Santana – Temos a expectativa de criar aqui um polo metal-mecânico a partir da siderúrgica, e o sonho antigo de ter uma fábrica de automóveis, que pode atender parte do mercado da América do Sul. Existe demanda também para o refino de petróleo, estamos prospectando parceria com investidores chineses neste sentido. Outra perspectiva de crescimento de mercado, não só para a América do Sul, mas principalmente para a Europa e para o Estados Unidos, é o setor de rochas e pedras ornamentais. O que acontece hoje é que muitas empresas exploram aqui e enviam para beneficiamento fora, principalmente para o Espírito Santo e Minas (Gerais), e de lá vai para os Estados Unidos e Europa. Queremos que essas empresas se instalem aqui, principalmente no Pecém, aproveitando que temos a única ZPE em funcionamento no Brasil. Duas já estão em processo de instalação. Vão extrair, beneficiar e exportar a pedra aqui.
TR – Quais são os planos para divulgar o Ceará nestes novos mercados?
Camilo Santana – Primeiro estamos vendendo a imagem do Ceará, mostrando para os países que a gente tem voo, a nossa cara, participando de ações de promoção e feiras de turismo. Queremos explorar o mercado de turismo asiático, que é bem forte e com grande potencial de crescimento, e o norte-americano, com alto poder aquisitivo e fluxo ainda baixo para o Brasil. Com o novo aeroporto que será construído pela Fraport e o hub aéreo, a movimentação de passageiros pode subir cinco vezes e o desafio grande que temos, tanto do Governo do Estado quanto da Prefeitura de Fortaleza, é criar atrativos para que os turistas permaneçam mais dias aqui. Isso vai depender muito da nossa capacidade de criar mecanismos para que fiquem mais tempo. O turismo é uma das grandes vocações nossas.
TR – As concessões do Acquario e do Centro de Eventos devem sair em 2018?
Camilo Santana – Estamos lutando para trazer uma empresa espanhola para gerir o Acquario, bem como um parque da Lego em Paracuru, anexado ao resort que já está programado. Para o Acquario, estamos concluindo uma grande intervenção urbanística na Praia de Iracema, que inclui a desapropriação dos prédios no entorno para integrar o Centro Dragão do Mar ao Acquario, através de uma grande praça. Junto com a Prefeitura, vamos permitir a exploração imobiliária de um trecho e, em troca, os investidores vão construir o Acquario. Resumindo, será uma PPP (parceria Público-privada), com torres comercial, residencial e hoteleira, que vai concluir o Acquario e criar um grande parque cultural e turístico em Fortaleza e urbanizar a comunidade do Poço da Draga. Somado ao Acquario, vamos iniciar um grande projeto na Praça da Estação, com a criação da Pinacoteca do Estado na Estação João Felipe e nos galpões vizinhos e a saída do terminal de ônibus, que irá para uma outra área próxima. Toda a área da praça, Pinacoteca, Centro de Turismo (Emcetur) e Escola de Hotelaria e Gastronomia será integrada, formando um grande corredor cultural.
TR – Nos últimos anos foram feitos novos investimentos em segurança pública, inclusive com a incorporação de nove mil policiais e aquisição de 1,5 mil viaturas, mesmo assim a violência tem aumentado muito. Por que os investimentos não têm dado o retorno esperado?
Camilo Santana – Mesmo com todos os investimentos em tecnologia, em quase nove mil policiais, em sistemas de videomonitoramento com câmeras de visão noturna e criação de unidades do Raio em todas as cidades com mais de 50 mil habitantes, na criação das Unidades Integradas de Segurança, enfim, o que se possa imaginar de investimento foi feito, mas nós estamos pagando um preço muito caro por não ter planejado a área da segurança pública anos atrás e pela desigualdade social. Hoje o tráfico de drogas dominou o País e é um problema que ultrapassou os estados. A União tem que assumir a sua responsabilidade. Combate ao narcotráfico não é com os estados. Eu tenho defendido a integração das inteligências dos estados e lutei pela criação do Centro Regional de Inteligência da Polícia Federal, que será instalado aqui, integrando Abin, PF e estados. Esse problema nós precisamos enfrentar de duas formas: a repressão, com mais inteligência, tecnologia e equipamentos; e a prevenção, construir melhores condições que as atuais para as futuras gerações. O que a gente pode imaginar de uma juventude sem emprego e sem escolaridade? Facilmente é aliciada pelo tráfico. É um exército que está sendo aliciado todo dia. É preciso que o Congresso reveja as leis; que a Justiça repense o seu papel e tenha mais celeridade, porque o estado só guarda o preso, quem julga é o Judiciário. Nunca se prendeu tanto. São 28 mil presos no Ceará, quase 70% são provisórios. A lógica está invertida, hoje a gente gasta quase R$ 2,2 mil por mês com cada preso, em vez de gastar isso com educação.
TR – O senhor está concluindo o seu primeiro mandato com um índice de aprovação altíssimo, um dos maiores entre os governadores do Brasil. Alguma vez o senhor projetou chegar aonde chegou?
Camilo Santana – Eu fiz a opção de entrar para a vida pública, hoje em dia essa não é uma escolha fácil. Eu acredito que tenha vocação para isso, para servir ao meu estado, talvez influenciado pelo meu pai (Eudoro Santana, presidente do Implanfor e ex-deputado), fui secretário do Cid quase os dois mandatos inteiros e escolhido para dar continuidade a esse projeto, que assumi como uma missão. Não imaginava enfrentar um período tão conturbado, de crise, seca, e violência, que é um dos maiores desafios de um gestor hoje.
TR – Neste período como governador, qual foi o seu maior orgulho e qual será a sua meta caso seja novamente eleito?
Camilo Santana – Meu maior orgulho são os resultados na educação, sem sombra de dúvida. Nenhum país do mundo se desenvolveu sem ter justiça social e boa educação, esse é o caminho. E o maior desafio é continuar lutando para garantir um estado de paz para os cearenses. A gente abre uma perspectiva muito boa na economia, somos o estado mais equilibrado, não somente na questão das finanças, mas de poder investir, que é o que a população quer.
Perfil
Camilo Sobreira de Santana (PT) é o atual governador do Ceará, eleito aos 46 anos. Graduado em Agronomia e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará. Funcionário de carreira do Ibama, foi secretário do Desenvolvimento Agrário e das Cidades na gestão Cid Gomes (PDT). É casado com a educadora Onélia Leite Santana, com quem tem dois filhos, Pedro, de oito anos, e Luiza, de seis.