Crítica: “Homem com H” retrata com maestria a arte e os dilemas de Ney Matogrosso nas telonas

Protagonizada por Jesuíta Barbosa, em uma performance impressionante, Homem com H, cinebiografia de Ney Matogrosso, terá pré-estreia hoje (30) em Fortaleza e entra em circuito comercial nesta quinta-feira (1º)

Émerson Maranhão
emerson@ootimista.com.br

Não precisa mais que cinco minutos de tela para o espectador acreditar que Jesuíta é Ney. Mesmo antes do artista aflorar, quando Ney era ainda “de Souza Pereira”, um adolescente em conflito com o pai opressor, que se alista na Aeronáutica para poder ganhar mundo e correr perigo. Esta crença absoluta na transformação do ator no personagem é fundamental para embarcar na narrativa de Homem com H, belo filme escrito e dirigido por Esmir Filho, que conta a trajetória de Ney Matogrosso, um dos maiores cantores da Música Popular Brasileira, interpretado pelo ator pernambucano/cearense Jesuíta Barbosa.

Tão fundamental quanto arriscado, admita-se. Por vezes, Jesuíta parece ser mais Ney que o próprio Ney. Porém, o que, à primeira vista, poderia soar como overacting, esfarela-se quando a plateia apercebe que Ney é, por si, hiperbólico. Mesmo em seus silêncios, sentado, quieto, sem maquiagem nem figurino, Ney extrapola, extravasa. É a sua natureza. E esse é o pulo do gato da atuação do protagonista do filme. Jesuíta entendeu a mensagem e consegue, em Homem com H, ser Ney mesmo calado, sem requebros, sem holofotes. Ainda que isso possa soar over.

É visível em sua performance que o ator adotou, com excelência, a partitura corporal do performer, tanto nos palcos quanto fora deles. No entanto, convenhamos, quantos covers do Ney não o fizeram -e fazem-, pelas boates e bares da vida em troca de pão ou de alguns trocados? O que Jesuíta consegue, neste filme, é ir além e replicar o olhar de Ney. Aí, são outros 500!

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Aqui, convido o caro leitor que for assistir a Homem com H (que espero, sejam muitos) a prestar atenção nas cenas em que o rosto do ator é enquadrado em primeiro plano, sem que possamos ver o resto do corpo. É Ney quem se vê. Ainda que sem meneios, requebros e que tais. E esta é uma das grandes qualidades do longa.

Sim, porque há outras. A começar pelo roteiro, muito bem construído por Esmir Filho. Primeiramente por não se pretender uma obra laudatória, como tantas que têm tomado as telas nos últimos anos. Homem Com H não tem medo de se aproximar de Ney Matogrosso, não só da grande estrela de purpurina e rímel, mas, principalmente da pessoa de carne e osso. As dores estão lá, os prazeres estão lá, as feridas idem, os gozos e fracassos também.

Falando nisso, a reconstituição dos shows e das gravações de TV é sensacional, assim como a reconstituição de época de uma maneira geral (Thales Junqueira assina a Direção de Arte). Incrível a sacada de usar um enorme quadro do Keith Haring como pano de fundo para algumas das cenas mais barras pesadas do filme. Sim, a pandemia da Aids está cruamente retratada, assim como as perdas de Cazuza (Jullio Reis) e Marco de Maria (Bruno Montaleone), namorados de Ney vitimados pela síndrome.

Entretanto, em Homem com H, Eros encara Thanatos de frente, olho a olho, e tira onda, rebola e dá seu nome. Exatamente como o protagonista fez e faz. O filme sobre Ney transpira e trasborda sexo, a pulsão do desejo prevalecendo sobre a pulsão da morte (que é a negação do desejo, como sabemos), tal e qual Ney faz quando sobe aos palcos há mais de 50 anos.

Homem com H é um filme libidinoso, cheio de tesão. E que excita a plateia para este e outros prazeres -inclusive musicais, através das 17 canções que estão na trilha e não as cantarolar é um exercício difícil. Tem tudo para ser um sucesso de bilheteria, como preconizou a crítica Maria do Rosário Caetano, uma das maiores pesquisadoras do cinema brasileiro.

O senão é, justamente, uma de suas maiores qualidades. A transgressão que Ney usou como bússola ao longo dos seus mais de 80 anos de vida está na tela plenamente. A liberdade sexual que Ney fez guia de sua vida está na tela desavergonhadamente. E, como Ney diz em um dos diálogos do filme: “Incomodo porque eles veem em mim coisas que eles são e não tem coragem de admitir” (a anotação é de cabeça, não literal). Isso pode afastar certas plateias “conservadoras”, temendo ver projetados na tela grande seus desejos mais indizíveis.

Mas até os caretas merecem o bom da vida, como diz outro artista imenso, Caetano Veloso, na canção Vaca Profana. Afinal, todos sabemos ser caretas e de perto ninguém é normal. Por isso, recomendo ao leitor que não perca a oportunidade de assistir a Homem com H, que tem pré-estreia hoje, às 18h20min, na Sala 2 do Cinema do Dragão, e amanhã entra em circuito comercial.

E se prepare para rir e chorar (há ironias finíssimas nos diálogos). Se puder, não marque nada para depois da sessão. “Só entende quem namora”.

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Assista ao trailer:

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Filme Homem com H

Estreia nesta quinta-feira (1º) nos cinemas, com pré-estreia hoje (4)

Classificação indicativa 16 anos

Duração: 129 min

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