Em alta com “Ainda Estou Aqui”, cinema brasileiro tem desafios para seguir conquistando prêmios globais

Ao longo de décadas, o cinema brasileiro tem sido um veículo essencial para a expressão artística e para a representação das diversas facetas da nossa sociedade, ganhando fôlego com sucessos como Ainda Estou Aqui, que tem brilhado em premiações ao redor do mundo

Aline Veras
aline@ootimista.com.br

Em 8 de julho de 1896, a primeira sessão de cinema foi realizada no Brasil. O marco ocorreu na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, exibindo pequenos filmes que traziam imagens de cidades europeias. Atualmente, considera-se que o primeiro filme gravado no Brasil foi Chegada do Trem em Petrópolis, de 1897. A produção cinematográfica brasileira – como pode-se perceber, desde seus primórdios – tem seu desenvolvimento gravitando como uma vítima ou uma fênix ao redor de cada regime político que impera no Brasil. O cinema nacional, talvez mais do que qualquer outra expressão artística no País, tem dependido muito de como o governo no poder vê a cultura e o grau de importância que lhe concede.

Desafios

Para a jornalista e pesquisadora de cinema, Maria do Rosário Caetano, o maior desafio do cinema brasileiro é conquistar seu público. Ela afirma que houve ciclos de bom diálogo entre o espectador e o seu cinema, mas que, por causa principalmente da política, o bom relacionamento não tende a durar muito, como mostra a história. A jornalista observa que na fase inicial do cinema nacional, nos anos 1940, o melodrama O Ébrio (1946), de Gilda Abreu, por exemplo, houve um sucesso estrondoso. No entanto, é a comédia o gênero que mais leva o público às telonas.

“Para assistir às comédias do ator Amácio Mazzaropi, os públicos eram imensos. Para as comédias dos Trapalhões, também, sem falar no ciclo da chanchada [gênero cinematográfico brasileiro que teve seu auge entre as décadas de 1930 e 1960], que eram comédias muito ligadas à música brasileira e à música de carnaval. Na época da Embrafilme [Empresa Brasileira de Filmes, produtora ativa entre 1969 e 1990], houve alguns grandes sucessos como Dona Flor e seus Dois Maridos e A Dama da Lotação, diz Mária do Rosário. Ela lembra ainda que, naquela época, o cinema nacional chegou a ter como público quase 33% de seu mercado interno. “Foi uma taxa de marketing share que o País nunca mais veria”, acrescenta. “O Brasil tinha que ter, no mínimo, umas 10 mil salas, mas só 8% dos municípios têm cinema de verdade. Esses são os grandes desafios do cinema brasileiro: criar filmes médios, arrumar um circuito de verdade para cinema de arte e ensaio, e ampliar o circuito exibidor com capilaridade, ou seja, no máximo de municípios possível”, explica.

Incentivos

Bruno Tavares, publicitário de formação, mas que desde 2018 trabalha com audiovisual, destaca que um dos problemas é a falta de financiamento e de leis de incentivo. “O cinema é uma arte coletiva, é uma arte cara. Como aqui não existe uma indústria, é preciso que tenhamos leis que auxiliem, que tenhamos cada vez mais editais com valores relevantes e dignos para produções de filmes. É preciso que se entenda que produzir com qualidade demanda tempo, demanda bons profissionais. E isso requer custos”, destaca.

Ele diz também que tanto o Ministério da Cultura quanto as Secretarias de Cultura estaduais e municipais devem buscar auxiliar e incentivar as produções que trazem histórias periféricas, não hegemônicas, histórias que o brasileiro não está acostumado a ver porque a riqueza do cinema nacional também reside na sua pluralidade.
“Nada é mais poderoso para um povo do que ver sua cultura reproduzida, do que se entender, se ver, se relacionar com aquele drama daquela pessoa”, reforça Bruno.

Novo momento

Em 2024, porém, o público brasileiro demonstrou maior interesse pelo cinema nacional. O número de espectadores de produções nacionais dobrou em relação ao ano anterior, chegando à marca de 10,07%, com destaque para o filme Ainda Estou Aqui, do cineasta Walter Salles. A película está fazendo história. Recebeu três indicações ao Oscar 2025: Melhor Atriz (Fernanda Torres), Melhor Filme Internacional e Melhor Filme. Além de ter conquistado o Globo de Ouro 2025, na categoria Melhor Atriz em Drama para Fernanda Torres, o longa vem figurando em várias premiações, sendo consagrado, no último fim de semana, como Melhor filme ibero-americano no Goya, principal prêmio de cinema da Espanha – feito inédito para o cinema brasileiro – e veio também o prêmio do público no Festival Internacional de Cinema de Roterdã, na Holanda.

“Os prêmios internacionais, principalmente o Oscar, têm uma repercussão gigantesca no Brasil. A prova é que, depois que a Fernanda Torres ganhou o Globo de Ouro, o público do Ainda Estou Aqui subiu 245%. O filme chegou a ser exibido em 650 salas de cinema brasileiros. Antes da premiação, ele estava em apenas 200 salas. Então, se esse prêmio não tem importância, o que é que vai ter? O prêmio anuncia um momento em que o público volta a se interessar pelo cinema brasileiro, ele se tornou uma espécie de holofote de alta potência”, diz Maria do Rosário Caetano, autora de livros como Cinema Latino-Americano – Entrevistas e Filmes.

Bruno e Maria do Rosário torcem para que esse novo ciclo de produção cultural e cinematográfica perdure e que haja melhorias e leis, muito necessárias para que a cultura brasileira seja ainda mais valorizada, os cinemas sejam mais acessíveis e os filmes nacionais cresçam em qualidade, quantidade e diversidade. “O cinema brasileiro e seus realizadores são imbatíveis nesse eterno recomeçar, nessa busca pela brasilidade e pela reprodução disso nas telas. Isso sempre renderá grandes filmes. Isso não quer dizer grandiosos orçamentos nem grandes efeitos visuais, mas o mais importante a gente tem, que são histórias ricas em criatividade, histórias genuínas e que comungam com a história do nosso povo”, arremata Bruno Tavares.

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