A literatura brasileira é rica em tradição, inovação e diversidade. Entretanto, não é popular. Por outro lado, é muito importante para o desenvolvimento social, formação das identidades nacionais e evolução do pensamento crítico sobre a realidade do País
Aline Veras
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“O Carnaval. O Sertão e a Favela. Pau-Brasil. Bárbaro e nosso.
A formação étnica rica. A riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.
Bárbaros, pitorescos e crédulos. Pau-Brasil. A floresta e a escola. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil”
Com estes versos, Oswald de Andrade abre seu livro de estreia em poesia, Pau-Brasil. Ele tinha como principal objetivo refletir sobre a primitividade nacional, a busca pela brasilidade e a valorização das nossas raízes étnicas e culturais em detrimento da cultura europeia, tão estimada pela burguesia. O livro, publicado em 1925, continua atualíssimo, já que o Brasil continua importando a cultura de outros lugares, mas sempre esperando ser validado pelo exterior para sentir um pouco de orgulho da própria nação nessa já antiga síndrome do colonizado.
As literaturas nacionais são muito importantes para o desenvolvimento social, para a formação das identidades nacionais e para a evolução do desenvolvimento do pensamento crítico sobre a realidade do País. Macunaíma, Policarpo Quaresma, Maria Moura, Mandrake, João Romão, Gabriela da Silva e Brás Cubas e tantos outros personagens inesquecíveis e emblemáticos da vasta literatura brasileira não estão apenas nas páginas dos livros, estão entre nós e somos nós, brasileiros.
Será que, fora da escola – lugar onde, muitas vezes, se tem o primeiro (e único) contato com as obras literárias nacionais -, a literatura brasileira continua a ser lida e apreciada pelos brasileiros?
Felipe Mikésio, de 23 anos, é um exemplo de que, sim, pode-se ser apaixonado pelos autores brasileiros e pelos livros que eles produziram. Aos 10 anos, leu o romance indianista O Guarani, um clássico escrito pelo cearense José de Alencar. A história de Peri e Cecília foi o começo de uma aventura que moldaria toda a sua vida a partir daquele momento, pois ele não só escolheu as letras como profissão – o jovem é estudante de Letras na Universidade Federal do Ceará (UFC) -, como, também, seu modo de falar cotidiano foi influenciado pelas obras que tanto devorou.
“Imediatamente, naquela leitura, saltou aos meus olhos algo até então atípico (que eu viria a usar, comumente, até hoje): uma mesóclise, posta já no capítulo um do romance, parágrafo terceiro: “Dir-se-ia”. É uma recordação feliz”, relembra o futuro professor.
Os melhores amigos
“Eu tinha mais ou menos uns 10 anos e era uma criança solitária. Minha mãe trabalhava num Educandário em Belém, no Pará, emprestava livros da biblioteca e os levava pra casa. Apenas levava, nunca sentou comigo ou leu pra mim. Ela colocava os livros em lugares acessíveis e deixou que minha inocência e curiosidade infantil fizessem sua parte: eu pegava, abria e mal sabia que, a partir dali, nunca mais os fecharia”, conta Gilmara Maia, de 51 anos, estudante de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
A primeira leitura de Gilmara foi Uma ideia toda azul, de Marina Colasanti. No livro de contos, a autora usa elementos lúdicos como fadas, unicórnios e princesas para falar de amor, morte, alegria, tristeza, velhice, solidão, mas sempre com finais felizes. A partir de então, aquela criança solitária nunca mais se sentiu sozinha, ela passou a ter não só Marina, mas também outros inúmeros amigos que lhe fizeram companhia e a faziam sorrir durante toda a sua infância.
Na adolescência, também por curiosidade, Gilmara conheceu Pedro Bala em seu bando de Capitães de Areia, e, com ele, Jorge Amado, que usava romances para fazer críticas sociais: “Foi com Jorge Amado que tive as primeiras noções de injustiças, desigualdades sociais, preconceitos, machismo, patriarcado, protagonismo feminino e outras questões afirmativas que estão em discussão hoje e que já se encontram presentes em suas primeiras obras”, lembra.
Novas linguagens
Segundo Júlio Bastoni, doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor de Literatura Brasileira nos cursos de graduação e pós-graduação em Letras da UFC, a literatura brasileira, assim como a de outros países, vem ganhando muita força com a diversidade e inclusão de novas linguagens e autores de diferentes origens sociais. Nesse contexto, ele observa que escritores das periferias, negros, indígenas e pobres, por exemplo, vêm dando nova feição a uma literatura que já possuía uma tradição bastante estimável.
“Há muitos, muitos mesmo, poetas, prosadores, dramaturgos que, apesar da adversidade em um país ainda muito pobre no que tange ao estímulo a seus artistas, continuam perseverando. Isso parece otimista demais, mas não consigo ver um deserto de ideias e de criadores, como se poderia crer à primeira vista”, afirma Bastoni, que escolheu a literatura como profissão por não conseguir pensar em uma vida fora da linguagem.
Para Bastoni, a literatura brasileira não circula internacionalmente por uma questão geopolítica. “Nosso gosto é mediado pelo que se produz nos grandes centros, nas potências imperialistas, especialmente os Estados Unidos. É um pouco difícil, para o gosto médio, digamos, nos mirarmos, nos reconhecermos em nossa produção cultural. Ocorre o mesmo com o cinema brasileiro, por exemplo. Nossa assim chamada ‘elite cultural’ sempre foi colonizada. Basta ver, exemplo evidente, a demora para o reconhecimento público de um poeta tão nosso, como é o Patativa do Assaré. Não fossem grandes intelectuais, amantes da cultura brasileira, como Gilmar de Carvalho e Rosemberg Cariry, talvez ele ainda não fosse levado a sério pela academia e demais instituições do País. O reconhecimento de uma cultura passa, prioritariamente, pelo estudo e consideração do trabalho de nossos artistas”, analisa.
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A próxima reportagem da série será publicada terça-feira (11). Leia na íntegra: