Músicos compartilham relações pessoais com a música e o poder da linguagem na construção da identidade do Brasil

Para além do poder sensorial de transformação e influência sobre nós, a música tem grande importância na preservação da cultura nacional. Como parte da série de reportagens sobre amantes da arte brasileira, músicos apontam relações pessoais e o poder da linguagem na construção da identidade do País

Aline Veras
aline@ootimista.com.br

“O Brazil não conhece o Brasil/O Brasil nunca foi ao Brazil
O Brazil não merece o Brasil/O Brazil tá matando o Brasil”

Os versos de Aldir Blanc e Maurício Tapajós para a canção Querelas do Brasil, composta em 1978, retratam questões do Brasil que permanecem muito atuais no século XXI: a supressão da cultura popular do País por uma cultura amplamente americanizada e/ou europeizada.

Por fim, a letra clama “Do Brasil, S.O.S ao Brasil”. Será que, hoje, o brasileiro conhece o Brasil? O brasileiro ainda entende a cultura de seu próprio país? O Otimista inicia uma série de reportagens sobre amantes da arte brasileira, com foco na música, literatura e cinema.

Diversidade

Sentimos e ouvimos a música brasileira, mas, para além de seu poder sensorial de transformação e influência sobre nós, ela também tem uma grande importância na preservação da cultura nacional. A música faz parte do patrimônio histórico do Brasil que permite, também, conhecer o passado e a percepção das pessoas sobre os acontecimentos, retratando as emoções e vivências dos artistas.

Desde a infância, Rafael Melo, 27, sempre esteve em um ambiente musical por causa da família de seu pai. Quando mais novo, era bem fechado musicalmente, só gostava do que se denominou MPB, mas principalmente samba e bossa nova. Outras influências familiares também o aproximaram do rock, reggae e outras músicas “estrangeiras”.

O músico percussionista gosta de música bem feita, produzida com sensibilidade e capricho, mas a música brasileira é, sem dúvidas, a sua preferida. “É o que toco, estudo e cultuo de certa forma. Sempre fez parte da minha formação devido à influência do meu pai, que também pesquisa, coleciona e toca, principalmente samba, nossa linguagem universal”, diz.

O jovem possui bacharelado em ciências sociais atuando nas searas da antropologia musical; é sociólogo da música e etnomusicologista com pesquisas sobre o tambor de crioula do Maranhão, choro e samba, e realizou estudos recentes sobre a musicalidade de terreiro, cantigas de candomblé, toques, pontos de macumba etc.

Que a população brasileira é apaixonada por música, isso é fato. Além de consumir muita música nacional, o brasileiro também gosta de ouvir canções de outros países. Para Rafael, a colonialidade permeia as múltiplas camadas da sociedade brasileira, porém, ele considera que o brasileiro, no quesito musical, não prefere o que vem da indústria estrangeira, prova disso é que o que toca nas rádios e em outras plataformas é composto pela música pop brasileira. Ele também considera que, de todas as expressões artísticas, a música e seus produtores são extremamente valorizados no País, e alguns também o são fora dele.

Sucesso no Exterior

Sim, a música brasileira faz sucesso no Exterior. Muitos artistas brasileiros têm conseguido reconhecimento fora do País através de plataformas como as redes sociais, alcançando novos públicos e conquistando fãs em diferentes lugares do mundo. Michel Teló, Tom Jobim (que cantou com Frank Sinatra a canção Garota de Ipanema, uma das composições brasileiras mais famosas fora do Brasil), João Gilberto e Anitta são alguns dos “Brs” que conquistaram espaço e os ouvidos dos gringos.

“Nossa música é riquíssima, nunca deveu nada e nem deverá. Nossas músicas, na verdade, pois o Brasil tem um complexo musical extremamente diversificado que faz o mundo lá fora aplaudir de pé”, fala Rafael. Ele acredita que hoje a música é muito mais globalizada e que existem diversas influências de dentro e de fora do Brasil.

Arte é deleite

“A arte dá prazer, dá alegria, nos entretém, nos instrui. Imagina se todo mundo tivesse o direito de se expressar artisticamente a respeito de seus pensamentos, dos seus sentimentos! O mundo seria bem melhor”, afirma Maria Juliana Figueiredo Linhares, cantora e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde ensina música para professores que dão aulas para crianças e adolescentes na educação básica.

A música foi um acontecimento para ela quando ainda era uma criança em João Pessoa, Paraíba. A menina gostava de frequentar a igreja com a família justamente por causa das músicas que ali ouvia. Mais tarde, ela própria faria parte do coral litúrgico e teria seu primeiro contato com o canto, seu instrumento musical. Em casa, também ouvia muita música. Elba e Zé Ramalho, Elis Regina, Chico César, entre outros, foram os artistas brasileiros que mais a inspiraram e acabaram influenciando não só seu gosto musical mas também o seu próprio trabalho.

“Decerto o desejo por realizar coisas na música partiu da escuta, de ser uma pessoa que era um público já desde criança, já era uma ouvinte assídua em MPB, em música regional, e tive a oportunidade de desenvolver prática através da igreja. Tinha algumas rádios na minha cidade em João Pessoa que tocava MPB, das quais eu gostava muito”, recorda.

Antes de decidir seguir uma carreira na música, a cantora entrou para o curso de Direito, se formou e ainda atuou durante um período como advogada, mas sempre mantendo contato com a área que mais lhe dava prazer e fazendo trabalhos quando a convidavam. Ela conta que os pedidos para cantar foram crescendo tanto, tomando mais e mais espaço na sua vida, que teve que fazer uma escolha. A decisão final surgiu após a abertura de um curso de graduação em música na sua cidade natal. Juliana, então, enxergou que existia a possibilidade de trabalhar com aquilo que lhe trazia alegria desde a mais remota de suas lembranças infantis.

A artista e docente acredita que o mais importante é curtir a música brasileira e que um debate sobre a função da arte ou a comparação entre as músicas nacional e a estrangeira são descabidas e desnecessárias. “A arte não tem a função de salvar ninguém, mas ela faz isso. E a música do Brasil nos emociona sem precisar ser comparada com nada. Ela existindo já nos faz bem. A nossa música não precisa ser melhor do que a de outro país pra ser validada”, completa.

mais

A próxima reportagem da série será publicada na próxima terça-feira (4). Leia a reportagem na íntegra:

Amantes da arte brasileira: a música como patrimônio histórico e cultural do País

 

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