Em clima de Copa do Mundo para os brasileiros, ocorre neste domingo (2) o Oscar. Ao Tapis Rouge, críticos revelam suas apostas para a premiação e analisam a campanha, bilheteria e as polêmicas que cercaram Ainda Estou Aqui, indicado em três categorias. Veja também lista de onde assistir na Capital
Onivaldo Neto
onivaldo@ootimista.com.br
Não poderia haver data mais simbólica do que o domingo, 2, de Carnaval para a realização do Oscar mais aguardado da história pelos brasileiros. Em meio à festa da folia, a partir das 21h, no Dolby Theatre, em Los Angeles, finalmente serão conhecidos os ganhadores da 97ª edição do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A torcida é para que Ainda Estou Aqui e Fernanda Torres estejam entre os laureados da noite. O longa, dirigido por Walter Salles, está indicado nas categorias de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional, enquanto Fernanda concorre na categoria de Melhor Atriz.
Sem grandes favoritos consolidados, a edição 2025 promete fortes emoções. Com isso em vista, Tapis Rouge traz as apostas de críticos de cinema para as principais categorias da cerimônia, além de análises sobre a campanha publicitária, o sucesso comercial e o impacto de polêmicas na trajetória do filme brasileiro.
As previsões
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Salientando a imprevisibilidade que caracteriza o Oscar deste ano, Renan de Andrade acredita que o ganhador da estatueta de Melhor Filme está entre Conclave, Anora e O Brutalista. “Eu aposto, sob risco, em Conclave, que é meu preferido. O filme tem uma assinatura e uma ousadia a mais que os outros”, comenta o professor universitário e crítico de cinema associado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). O crítico também pontua que Ainda Estou Aqui não deve vencer a categoria principal da cerimônia, pois “muitos dos votantes já votaram no longa brasileiro para ganhar Filme Internacional.”
Elvio Franklin faz coro a Andrade e também indica que o vencedor da maior honraria da cerimônia norte-americana está entre Conclave, Anora e O Brutalista. Porém, a aposta final vai para Anora, longa protagonizado por Mickey Madison, que concorre a Melhor Atriz. “O meu preferido é Conclave. Eu acho que O Brutalista tem perdido um pouco de força na campanha, enquanto Anora vem ganhando”, pondera o também crítico da Aceccine. Sobre a produção dirigida por Salles, que se tornou a primeira do Brasil a figurar na categoria, o crítico afirma que a indicação “já foi uma vitória enorme”.
Quanto a Melhor Direção, Andrade aposta no cineasta Sean Baker, indicado por Anora. “Acho que é um filme muito bem dirigido”, opina. Ainda de acordo com o crítico, Salles também deveria figurar na categoria, classificando a ausência do brasileiro na lista como “absurda”. Em concordância, Franklin acrescenta que Baker é o favorito ao prêmio, mas não descarta a vitória de outros nomes. “Talvez a gente possa ter uma surpresa com o Brady Corbet, diretor de O Brutalista. Contudo, eu acredito que o Baker deve levar dessa vez, além de Melhor Filme também”, denota.
Adrien Brody, indicado por O Brutalista, é a escolha de Renan de Andrade para a estatueta de Melhor Ator. “Apesar do Timothée Chalamet ter ganho o SAG Awards, acho que pela Academia o Oscar será de Adrien Brody”, indica. O crítico justifica a vitória do ator fazendo um paralelo com a performance de Fernanda Torres em Ainda Estou Aqui. “Eu acho que ele traz uma força muito grande para esse papel, muito parecido, por exemplo, com a [atuação] da Fernanda”, diz. Ainda que a polêmica do uso de inteligência artificial para aprimorar o sotaque de Adrien tenha afetado suas chances na categoria, o ator deve levar para casa o seu segundo Oscar, conforme analisa Élcio Franklin. “No filme, ele está sensacional! Ele é um excelente ator e já possui um Oscar por O Pianista”, relembra.
Já a categoria de Melhor Atriz é classificada como complicada e complexa por Andrade, que também alega haverem dois tipos de apostas nela: a segura e a de risco. “A segura seria Demi Moore, pois ela é front runner e preferida, principalmente depois do SAG. Mas tem o fator Fernanda Torres, que aí é o fator de risco”, conta. O crítico teoriza que votantes da Academia, também votantes em premiações como BAFTA e o SAG, na qual Mickey Madison e Demi Moore venceram como Melhor Atriz, respectivamente, podem, no Oscar, escolher a artista brasileira. “Fernanda pode vir com muitos votos. Votos que dividam de fato, retirados tanto da Madison quanto da Demi. Além de outros votos de pessoas que não votaram nessas duas academias”, explica.
Há chances de Fernanda vencer a principal categoria de atuação, no entanto, a vitória seria uma surpresa, segundo Franklin. Para o crítico, a atriz não é a favorita entre as indicadas. “Eu acredito que esteja entre Demi Moore e Mickey Madison. Eu apostaria na Demi Moore, apesar da Mickey ter se destacado bastante nas premiações”, argumenta. De acordo com o profissional, deve pesar para os votantes o fato de Moore estar vivenciando o reconhecimento tardio do seu talento pela indústria cinematográfica. “A atriz de Anora é muito jovem, ela tem uma carreira toda pela frente e a Demi já tem uma carreira enorme e nunca tinha tido tanta aclamação como está tendo agora”. fala.
Por fim, para Melhor Filme Internacional, Renan de Andrade indica o brasileiro Ainda Estou Aqui. Entretanto, segundo ele, não é possível eliminar totalmente as chances de Emilia Pérez, que comprometeu seu favoritismo devido a polêmicas envolvendo a protagonista Karla Sofía Gascón, pouco antes da votação dos membros da Academia. “Nós não sabemos se o problema com a Gascón vai, de fato, interferir no voto. Minha aposta é Ainda Estou Aqui, entendendo que o filme de fato é superior a Emilia Pérez”, explana. Para Élcio Franklin, a produção brasileira também é a favorita à estatueta dourada na categoria. “Eu acredito que deve vir o Oscar finalmente. É um filme realmente sensacional, que tem ganhado grande repercussão, sendo sucesso de bilheteria mundo afora”, celebra.
Ainda Estou Aqui amplia feitos às vésperas do Oscar
SSe consolidando como uma das exportações cinematográficas brasileiras mais bem sucedidas de todos os tempos, Ainda Estou Aqui vem batendo recordes de público e arrecadação em cinemas estrangeiros. Nesta semana, a película ultrapassou a marca de US$ 4 milhões – cerca de R$ 24 milhões – em bilheteria nos Estados Unidos e Canadá, de acordo com dados do site Box Office Mojo. Com tal feito, o longa se tornou a primeira produção brasileira a alcançar o número nos EUA desde Cidade de Deus (2002).
Outro marco histórico foi alcançado pelo filme nos cinemas do Reino Unido e da Irlanda. Segundo informações do Screen Daily, a produção arrecadou £ 486,3 mil – mais de R$ 2 milhões – em sua primeira semana de exibição.
O longa segue em cartaz em diversos países, como França, Portugal, Itália e Austrália, e já acumula quase R$ 160 milhões em faturamento global.
A conquista desses números milionários em bilheteria lá fora é atribuída, principalmente, pela presença do longa nas principais premiações do cinema mundial, sugere Élcio Franklin. “É uma coisa que se retroalimenta. O reconhecimento vai dando mais bilheteria e mais bilheteria proporciona ainda mais reconhecimento para o filme. Eu acho que isso com certeza deve ter contado para os votantes”, reflete. “Falando de influências, eu acho que o filme acaba sendo agraciado no olhar dos votantes com relação à premiação”, complementa Renan de Andrade.
A campanha de divulgação de Ainda Estou Aqui também se destaca como um fator crucial para o sucesso da produção brasileira no Exterior. Com Fernanda Torres como principal porta-voz, o filme foi pauta nos maiores veículos de comunicação do mundo, além de ser representado pela atriz em importantes eventos, premiações e festivais da sétima arte. Até então, não se tinha visto nada parecido em relação à difusão de um longa nacional. “A campanha do filme não poderia ter sido melhor. É histórica já. Acredito que nunca tivemos uma campanha tão bem sucedida quanto a deste ano”, avalia Franklin. O crítico ressalta ainda o papel essencial de Fernanda e do público brasileiro na campanha.
“Brilhante” é como Andrade define o trabalho de divulgação de Ainda Estou Aqui. “A campanha foi muito bonita. Nunca o cinema brasileiro esteve tanto em foco como está. Isso nunca aconteceu”, comemora. Sua única ressalva é sobre a falta de atenção ao BAFTA, considerado o Oscar britânico, no qual a película concorreu em Melhor Filme em Língua Não-Inglesa, mas não levou a melhor. Em complemento ao assunto, o profissional também destaca a importância da intérprete de Eunice Paiva. “Fernanda foi a linha de frente desse processo, com sua empatia e seu carisma”, diz.
Apesar do saldo positivo, a campanha da produção de Walter Salles enfrentou momentos delicados ao precisar lidar com polêmicas que surgiram após declarações de Karla Sofía Gascón sobre a equipe de Fernanda Torres e a publicação de um vídeo antigo em que a atriz brasileira realiza blackface. Os casos poderiam comprometer as indicações de Ainda Estou Aqui ao Oscar. Sobre o assunto, Renan de Andrade comenta: “Eu acredito que a polêmica [entre Karla e Fernanda] deve ter tido efeito em alguns votantes. Não acho que tenha tido efeito sobre a maioria. O que acredito mesmo é na qualidade de Ainda Estou Aqui. Ainda Estou Aqui, hoje, desperta muitas paixões, coisa que a Emilia Pérez já não consegue mais fazer”, expressa. O crítico levanta ainda a hipótese de que, com a polêmica em torno de Emilia Pérez, os votantes, buscando não se comprometer, podem ter buscado alternativas ao longa francês. Com isso, o brasileiro pode ter se beneficiado.
De querida à cancelada: as polêmicas envolvendo Karla Sofía Gascón
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A atriz espanhola Karla Sofía Gascón ganhou fama mundial após estrelar Emilia Pérez, longa francês do diretor Jacques Audiard, lançado no Festival de Cannes em maio de 2024. Conforme a produção se consolidava como uma forte candidata ao Oscar 2025, o assédio da imprensa também crescia em torno da atriz de 52 anos. Gascón ganhou de vez os holofotes em janeiro, sendo manchete dos principais jornais do mundo ao se tornar a primeira mulher trans indicada a Melhor Atriz. Quando ocorreu o anúncio do Oscar, a artista estava no Brasil para divulgar o longa. Além de conhecer diversos pontos turísticos da Cidade Maravilhosa, a atriz concedeu algumas entrevistas a jornais brasileiros.
Em uma delas, para a Folha de São Paulo, Karla acusou a equipe de Fernanda Torres, sua concorrente a Melhor Atriz, de criticar ela e o filme Emilia Pérez nas redes sociais. A espanhola fez a seguinte declaração: “O que eu não gosto é que há uma equipe nas redes sociais que trabalha no entorno dessas pessoas tentando diminuir o trabalho dos outros, como o meu, ou um filme. Eu, em nenhum momento, falei mal de Fernanda Torres ou de seu filme, mas vejo muitas pessoas que trabalham no ambiente de Fernanda Torres que falam mal de mim e de Emilia Pérez”.
A alegação polêmica imediatamente viralizou nas redes e as primeiras consequências começaram a surgir para Gascón. Primeiro, internautas pediram o cancelamento da indicação da atriz por ter, supostamente, quebrado as regras do Oscar – o que não aconteceu de fato. Em seguida, começaram a surgir diversas publicações consideradas racistas, gordofóbicas e machistas feitas pela espanhola no X (antigo Twitter). Após a divulgação dos posts, a atriz chegou a pedir desculpas via comunicado e excluir sua conta na rede social, no entanto, o cancelamento virtual não cessou, virando sua vida de cabeça para baixo.
Isto porque, diante da rápida repercussão negativa das publicações ofensivas, a Netflix, produtora de Emilia Pérez, decidiu afastar Gascón da campanha publicitária do longa para o Oscar. Com isso, a atriz não teria mais suporte financeiro da empresa de streaming para comparecer em eventos e premiações. Caso optasse por marcar presença em alguma ocasião dessa natureza, a artista deveria arcar com todos os custos. Desde então, Karla não compareceu em nenhum evento pré-Oscar, nem mesmo o Goya, uma das maiores honrarias do seu país.
Às vésperas da premiação, a Netflix voltou atrás na decisão e revelou que irá cobrir todas as despesas de Karla, caso ela compareça ao Oscar, que ocorre neste domingo, no Dolby Theatre, em Los Angeles. A notícia foi confirmada pelo The Hollywood Reporter. A atriz declarou que não sabe se irá comparecer, mesmo afirmando que está grata por “estar de volta” e poder encerrar “esta trajetória bonita e difícil que começou há três anos”.