Renata Guimarães abre espaço entre os quadros de Claudio Cesar para falar da exposição que resgata legado do pai e artista

Sob o olhar cuidadoso de Renata Guimarães, pincéis gastos, tintas secas e até objetos inusitados revelam o processo criativo de Claudio Cesar, artista carioca que, naturalizado cearense, faleceu em 2018, deixando um acervo inestimável. Coube à filha a missão de construir uma jornada afetiva que transforma saudade em legado vivo

Sâmya Mesquita
samyamesquita@ootimista.com.br

Se Claudio Cesar (1956-2018) estivesse entre nós, provavelmente estaria sorrindo ao ver sua paleta de tintas — antes vista como “bagunça” pela filha Renata Guimarães — transformada em obra de arte. “O Espaço Cegás de Cultura está recebendo a exposição Claudio Cesar – O Que Muitos Não Viram”, uma imersão no universo do artista que conquistou o Ceará com cores vibrantes e uma criatividade sem limites. Tudo tem sido desempenhado com muito carinho por Renata, que transformou o luto em movimento artístico vivo..
Em entrevista exclusiva ao O Otimista, a publicitária com alma de artista relata como surgiu a ideia da mostra, a segunda realizada após a morte do pai, e detalha como nasceu o desejo de mostrar uma sensibilidade do artista que, muitas vezes, passava despercebida diante de obras tão vibrantes. Mais que revisitar obras e objetos pessoais do pai, o maior propósito de Renata é inspirar outras pessoas através do legado extenso do pai.

“É como se a presença dele estivesse materializada neste espaço, que recria o ateliê dele com objetos pessoais -pincéis sujos, tintas secas”

O Otimista – Como surgiu a ideia da exposição “Claudio Cesar – O Que Muitos Não Viram”? O que diferencia esta mostra das homenagens anteriores ao seu pai?
Renata Guimarães – A ideia veio da vontade de revelar um lado do meu pai que poucos conheceram. Ele sempre foi admirado como artista, mas tinha camadas mais profundas -uma sensibilidade e energia criativa que passavam muitas vezes despercebidas. Esta exposição, especialmente com a obra principal “O Que Muitos Não Viram”, traduz exatamente isso: a história de vida dele através de detalhes que escapavam ao olhar comum. Até a paleta de tintas dele, que eu via como ‘bagunça’, hoje entendo como uma obra por si só.

O Otimista – Como tem sido a recepção do público à exposição nestas primeiras semanas? Há alguma história ou reação que te marcou especialmente?
Renata – Tem sido emocionante! Na inauguração, uma senhora parou diante de um quadro e disse: ‘Parece que ele ainda está aqui’. Ouvi isso repetidas vezes, tanto na exposição quanto no lançamento do livro. É como se a presença dele estivesse materializada neste espaço, que recria o ateliê dele com objetos pessoais -pincéis sujos, tintas secas… Coisas que antes eu associava à desordem, mas que hoje carregam histórias.

O Otimista – Algum desses itens como pincéis e tintas revelou algo novo sobre o processo criativo dele, que você lembra?
Renata – Ele usava coisas inusitadas! Matador de mosca para textura, pistolinha de água para jogar tinta, mas o mais significativo foi perceber que cada mancha na paleta dele tinha intenção. Era caótico só na superfície, como ele mesmo. Mas agora, olhando com outros olhos, vejo ali quase uma pintura por si só. Cada mancha tem história, tem intenção, mesmo na aparente desordem.

O Otimista – Como nasceu o Instituto Claudio Cesar e como o trabalho de preservação do legado dele tem impactado sua relação com a memória do seu pai?
Renata – O Instituto nasceu em 2024, seis anos após sua partida, porque precisei processar o luto. Mas cuidar do legado dele, das obras e das pessoas que ele reuniu, me fortaleceu. A curadora Andréa [Dall’Olio] me contou que ele pediu a ela para ‘cuidar de mim e das telas’. Hoje, vejo que esse trabalho é uma forma bonita de manter vivo não só seu talento, mas nosso vínculo. Criar o Instituto foi minha forma de transformar a saudade em movimento. Ao cuidar do legado dele, eu também cuido da nossa história e isso me fortalece.

O Otimista – Claudio Cesar tinha uma energia criativa única, quase urgente. Como ele equilibrava essa intensidade com a vida familiar?
Renata – Mesmo nesse turbilhão criativo, ele estava muito presente. Tenho ótimas lembranças da minha infância com ele. Era carinhoso, intenso, às vezes impaciente, mas com um jeito só dele de demonstrar amor. Ele sempre fez questão de me mostrar o mundo com olhar artístico, mesmo nas coisas simples do dia a dia. Lembro dele pintando o painel da Assembleia Legislativa: passava horas concentrado, como se estivesse em transe. Mas também me incluía. Tenho um quadro que fiz aos 3 anos, sob orientação dele. E, apesar de ser ‘careta’ comigo [risos], me ensinou a ver o mundo com olhar artístico, até nas coisas simples.

O Otimista – A curadora Andréa Dall’Olio destacou que seu pai pedia que cuidassem de você e de seu legado. Como foi assumir essa missão e, ao mesmo tempo, lidar com o peso emocional de gerir essa herança artística?
Renata – Antes de partir, meu pai confiou a Andréa e a Veridiana [Brasileiro] uma missão muito especial: cuidar de mim e me ajudar a seguir com o legado dele. E elas têm feito isso com tanto carinho, atenção e respeito, que às vezes parece que ele ainda está por perto, sorrindo e aprovando cada passo. Caminhar ao lado delas tem sido uma forma bonita de transformar essa saudade em movimento. Foi um processo gradual: no início, não me sentia pronta nem para organizar uma exposição, mas as pessoas que ele deixou ao meu redor me guiaram. O Instituto é a prova de que a saudade pode, sim, virar esse movimento.

“Além de preservar a obra dele, queremos criar oficinas de arte, incentivar novos artistas, promover premiações e levar o acervo para outras cidades, talvez até no Rio de Janeiro, onde ele nasceu”

O Otimista – Claudio Cesar se inspirou muito no Ceará após se mudar para Fortaleza. Você lembra como ele construiu essas inspirações?
Renata – Ele era carioca, mas quando chegou a Fortaleza, foi como se ele tivesse reencontrado uma parte dele mesmo. Ficou encantado com as cores, o povo, as praias, a cultura popular, minha mãe… [risos]. Tudo virava arte para ele. Admirava artistas como Raimundo Cela e Antônio Bandeira, e frequentava desde pagodes até ateliês. Era como se o Ceará tivesse despertado uma nova fase e realmente despertou. O Ceará está no DNA da obra dele, mesmo que ele não fosse daqui.

O Otimista – O vídeo inédito exibido na mostra foi gravado pouco antes do falecimento dele. O que esse registro representa para você e como ele dialoga com a exposição?
Renata – Esse vídeo é uma despedida cheia de vida, muito especial porque ele gravou já debilitado, mas ainda cheio de esperança. Mesmo doente, não perdeu o brilho nos olhos nem a vontade de compartilhar sua arte. É um registro forte, sensível, que mostra a coragem com que ele viveu e como a arte foi, até o fim, sua forma mais verdadeira de expressão. É um registro de coragem. E esse vídeo dialoga com toda a exposição porque captura a essência dele: vitalidade e paixão.

O Otimista – Seu pai deixou alguma mensagem ou desejo sobre como gostaria que sua arte fosse lembrada? O que ele diria se visse essa exposição?
Renata – Ele queria expandir seu trabalho, alcançar as pessoas, provocar sentimentos, fazer rir, pensar e emocionar. Queria que as pessoas se identificassem com algum detalhe, porque muito da obra dele era um retrato da própria vida. Ver tudo isso exposto agora, junto com o lançamento de um livro que conta sua história, sua trajetória e suas obras, seria, para ele, um momento de realização. E saber que as pessoas se emocionam com suas obras até hoje seria sua maior realização.

O Otimista – Quais são os próximos passos do Instituto Claudio Cesar? Há planos para levar o acervo para outras cidades ou ampliar o acesso digital às obras?
Renata – A ideia é seguir pulsando. Além de preservar a obra dele, queremos criar oficinas de arte, incentivar novos artistas, promover premiações e levar o acervo para outras cidades, talvez até no Rio de Janeiro, onde ele nasceu; por que não? É um espaço que nasceu da saudade, mas vive da criação. E eu sigo à frente, como filha e ponte entre o que foi e o que ainda pode ser, fazendo com que o legado dele inspire e movimente outras histórias também.

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