Em entrevista ao O Otimista, Helena Barbosa, a nova secretária municipal da Cultura de Fortaleza, explica estratégias de gestão que devem ser tomadas a partir de agora, visando descentralizar as ações culturais e tornar a Capital ainda mais plural e dinâmica
Sâmya Mesquita
samya@ootimista.com.br
Helena Barbosa, gestora cultural com forte vínculo com a cena artística do Ceará, tem se destacado pela capacidade de transformar espaços culturais e consolidar políticas públicas democráticas para a cultura. Natural de Trairi, a 126 km de Fortaleza, a cientista social formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) ocupou importantes cargos no Hub Cultural Porto Dragão, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e também no Instituto Escola de Cultura, Comunicação, Ofícios e Artes (Ecoa), em Sobral.
A experiência plural na administração cultural a posiciona como uma das principais responsáveis pela implementação de políticas públicas democráticas na cultura, agora à frente da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor). Em entrevista ao O Otimista, a também pesquisadora compartilha planos para fortalecer as políticas culturais em Fortaleza, destacando a importância de um trabalho conjunto entre os governos federal, estadual e municipal para transformar a cidade em um centro cultural ainda mais plural e dinâmico.
Otimista – Durante a gestão do Dragão do Mar, você estabeleceu um forte diálogo com comunidades vizinhas, como gratuidade e diversos eventos para além da estrutura do Dragão do Mar. Que avaliação você faz desse período? O que foi feito e o que faltou fazer?
Helena Barbosa – Iniciamos a expansão da política de gratuidade, incluindo novos territórios, como o Pirambu e o Vicente Pinzón. E esse processo envolveu a construção de uma metodologia sólida, além de estruturar completamente o programa. O Dragão está, inclusive, em fase de pesquisa para lançar um livro que relata toda essa experiência. O maior obstáculo foi superar o primeiro ano, que exigiu o reconhecimento dos territórios, o mapeamento das principais dificuldades e a identificação dos agentes locais. Esse aprendizado inicial foi essencial para a estruturação e execução dos programas no ano de 2024. Com base nessa experiência, o equipamento, agora, está pronto para expandir. E não se trata apenas de ampliar o programa atual, mas de repensar as estratégias e aprimorar o modo como essas políticas são conduzidas, garantindo eficácia e impacto positivo nos novos territórios.
O Otimista – Com o mandato do prefeito Evandro Leitão, temos um alinhamento político perfeito entre governos federal, estadual e municipal. Como essa integração pode facilitar a gestão da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza?
Helena Barbosa – Estar em um cenário de alinhamento entre as três esferas é algo raro, mas extremamente vantajoso. Nesse contexto, conseguimos planejar e executar políticas públicas que realmente beneficiam a cidade, com um diálogo contínuo e produtivo entre os governos estadual e federal, ambos seguindo a mesma linha de pensamento. Isso torna as conquistas mais acessíveis e facilita a implementação de medidas que trazem resultados concretos. Esse alinhamento traz um potencial enorme para que Fortaleza, dentro do Ceará, se torne uma referência nacional. As ferramentas para o trabalho estão disponíveis, oferecendo condições favoráveis para que políticas produtivas e impactantes sejam realizadas. Isso é algo que me entusiasma muito, pois reforça que temos oportunidades reais de construir soluções efetivas e transformadoras.
“A gestão do prefeito Evandro tem como prioridade tornar a cultura mais acessível e capilar, e esse objetivo será uma construção coletiva ao longo do nosso trabalho”
O Otimista – Você mencionou, em entrevista recente, que a descentralização da cultura será uma prioridade na sua gestão. Quais são os primeiros passos concretos para implementar essa descentralização e quais bairros acredita que mais precisam dessa presença dos equipamentos culturais?
Helena Barbosa – O sentimento que guiará minha gestão está alinhado, sobretudo, com o convite feito pelo prefeito Evandro, que manifestou o desejo de descentralizar a cultura e envolver os territórios na construção de uma política cultural ampla. Meu primeiro objetivo é organizar internamente, garantindo que a transição seja produtiva. Nesse início, há também demandas urgentes, como o planejamento do Pré-Carnaval e do Carnaval. Por isso, o foco inicial será a cultura organizacional da Secretaria de Cultura de Fortaleza. Isso envolve avaliar estruturas, estabelecer novas composições e promover repactuações, especialmente no diálogo com a cena cultural cearense. Essa conversa com artistas, produtores, técnicos e demais agentes culturais é fundamental para orientar qualquer iniciativa. Lembro, por exemplo, da minha primeira semana no Dragão do Mar, que foi marcada por uma abertura ao diálogo com diversos agentes culturais. A lógica é a mesma agora: antes de propor planos, como o de digitalização, precisamos ouvir. Com base nesse processo de escuta e avaliação, será possível construir um plano sólido que tenha como base a descentralização cultural. A gestão do prefeito Evandro tem como prioridade tornar a cultura mais acessível e capilar, e esse objetivo será uma construção coletiva ao longo do nosso trabalho.
O Otimista – A Secultfor possui desafios estruturais, especialmente nessa virada de gestão. Que estratégias você imagina para “organizar a casa” sem perder o foco nas demandas urgentes da classe cultural?
Helena Barbosa – Não existe uma fórmula pronta para lidar com esses desafios. Minha abordagem sempre foi simples: conversar com as pessoas. Acredito que meu perfil de trabalho já é conhecido – sou muito honesta ao dizer o que é possível entregar e o que não é. Para entender os limites da entrega, minha prioridade inicial é a organização interna, algo que fiz no Dragão. Reconheço que há muita expectativa sobre o trabalho da Secretaria com a minha liderança. No entanto, o foco será sempre o diálogo aberto e a transparência quanto aos limites do que pode ou não ser realizado. Apenas com essa construção coletiva será possível alcançar os resultados esperados e traçar caminhos viáveis para a cultura na nossa cidade.
O Otimista — E como você pretende garantir a manutenção adequada e a valorização de equipamentos culturais como a Vila das Artes, os Cucas e o Teatro São José?
Helena Barbosa — Para mim, não faz sentido que, dentro da mesma rede de equipamentos, exista uma escola que forma [Vila das Artes] e um espaço de difusão que deveria projetar o resultado dessa escola [Teatro São José], mas que não se conectam. Na verdade, deveriam funcionar em um esforço comum. Compreendo que possa haver uma política de rentabilidade através da venda de pautas, mas é fundamental refletir sobre qual é, de fato, a entrega que o teatro oferece para a cidade. Além de ser um espaço de locação, ele deve atender a uma missão maior, com linhas programáticas que o coloquem como parte ativa da cena cultural. A cidade carece de espaços que ofereçam temporadas, e o São José, pela localização estratégica e pela estrutura que possui, precisa ser um protagonista nesse cenário. É essencial que ele seja utilizado de forma ampla e inclusiva, popularizando-se ainda mais. Estamos avaliando as possibilidades para o futuro do teatro, considerando questões como sua gestão direta, adoção por iniciativas privadas ou até a inclusão em programas de benefícios com Organizações Sociais. Embora ainda não tenhamos definido o caminho a ser tomado, o principal objetivo é garantir que o Teatro São José seja, de fato, ocupado pela cidade, reafirmando sua missão como um espaço vibrante e integrado à cultura local.
O Otimista — Como pretende equilibrar o apoio às grandes produções culturais, que atraem turistas à cidade, com o fortalecimento de iniciativas de artistas e coletivos independentes, que incentivam financeiramente o cenário local?
Helena Barbosa — Minha gestão no Dragão segue uma linha que prioriza o fortalecimento do circuito local de produção criativa. Há uma grande responsabilidade em reacender essa rede e estabelecer uma relação de valorização com ela. Embora as grandes produções sejam importantes para atrair público e dinamizar a cena, não acredito que devamos trabalhar exclusivamente em função de nomes midiáticos. Esses nomes, no Dragão do Mar, são utilizados de forma estratégica em projetos especiais, mas o foco maior recai sobre a valorização do cenário local. Por exemplo, priorizei a ampliação da política de cachê local em vez de direcionar recursos para grandes festas. Claro que festas têm seu momento, mas é essencial garantir que essas iniciativas não sacrifiquem a qualificação e o crescimento da política cultural local. Isso inclui investimento em editais de ocupação, artes e na reativação de programas importantes, como a Mostra de Música Petrúcio Maia. Há diversos projetos históricos da Secultfor que nutriam essa cena e que merecem ser revisitados. Também existia o “Fortaleza das Artes”, que promovia atividades em espaços diversos da cidade, como o Mercado dos Pinhões, o Parque Adahil Barreto e a Praça dos Mártires. A prioridade, portanto, é qualificar as ações culturais, ampliando o alcance de iniciativas locais e tomando como referência projetos que já deram certo no passado.
“A marca que deixo em todos os lugares onde passei é a mesma: a busca por efetivar uma política cultural democrática”
O Otimista – Quais serão os critérios para escolha da equipe que vai lhe acompanhar?
Helena Barbosa – A equipe que estamos formando segue critérios claros, focados na qualificação. Buscamos pessoas com experiência comprovada na cena cultural, incluindo membros que já têm um histórico relevante dentro da Secultfor. Além disso, contamos com profissionais que possuem uma memória importante, aqueles que participaram ativamente da construção de uma Secultfor atuante na cidade.
O Otimista – Quais serão suas prioridades em termos de formação e qualificação de agentes culturais em Fortaleza?
Helena Barbosa – Quanto aos agentes culturais, vamos elaborar um plano conjunto. Será um processo de avaliação para definir se o momento é de qualificação ou de fusão, algo que já praticamos no Dragão do Mar, onde promovemos semanas de diálogos. Ainda preciso conversar com a equipe que estou formando e isso será feito em parceria com o prefeito. No entanto, neste início, é prematuro divulgar os nomes da equipe. Mas já estabelecemos uma linha de critérios para a seleção das pessoas que farão parte dessa equipe.
O Otimista – Que marca você quer deixar para os quatro anos de gestão na prefeitura?
Helena Barbosa – A marca que deixo em todos os lugares onde passei é a mesma: a busca por efetivar uma política cultural democrática. Esse é o meu papel. Foi assim no Porto Dragão, no Dragão do Mar e também no Instituto Ecoa. E o motivo pelo qual aceitei esse convite é porque o prefeito compartilha dessa mesma visão. Ele também quer implementar uma política democrática do ponto de vista cultural, e isso está diretamente alinhado com a forma como eu enxergo a política cultural, em qualquer de suas dimensões. Estamos bem alinhados nesse sentido, e essa é a minha marca.