Veridiana Brasileiro fala sobre coleção que deu origem à exposição “Novos Olhares para Monalisa”

Proprietária do acervo da exposição Novos Olhares para Monalisa, a médica Veridiana Brasileiro fala sobre seus primeiros passos no mundo da arte, do mito em torno da obra prima de Leonardo da Vinci e da importância do apoio a artistas locais como forma de manter a produção artística sempre ativa

Sâmya Mesquita
samya@ootimista.com.br

Quando Leonardo da Vinci iniciou a pintura de Monalisa, em 1503, talvez não tivesse noção da grandiosidade de sua obra. Agora hospedada no Museu do Louvre, em Paris, a magnum opus do polímata influenciou mais de cinco séculos de produção artística, chegando aos dias de hoje ainda relevante. E isso se deve não só à técnica e aos mistérios envoltos na sua criação, mas às ressignificações e reinvenções que outros artistas deram ao quadro.

Entendendo a relevância dessas releituras, a médica Veridiana Brasileiro, entusiasta da arte, adquiriu uma coleção de obras que mostram outras tantas Monalisas. E com curadoria de Andréa Dall’Olio Hiluy, a otorrinolaringologista lançou recentemente a exposição “Novos Olhares para Monalisa”, com 107 obras inéditas, idealizadas por 81 artistas cearenses. A pintura de Da Vinci é o referencial, mas as obras possuem diversas outras compreensões de mundo.

“Monalisa é pop. Todo mundo conhece. É a obra de arte mais reproduzida do mundo. É a obra que sofre mais interferências e releituras. A minha intenção foi de ter vários artistas na mesma temática”, explica. Ao O Otimista, Veridiana fala da exposição de suas peças, na Casa de José de Alencar, que segue aberta até o dia 24 deste mês. E disserta sobre diversas questões, entre elas o apoio a artistas locais como forma de manter a produção artística sempre ativa.

O Otimista – Como médica, você possui uma carreira conceituada. Mas também é uma exímia colecionadora de obras de arte. De onde veio essa paixão?

Veridiana Brasileiro – Na verdade, eu pratico o colecionismo desde a infância, quando eu colecionei tudo que criança gosta de colecionar: papel de carta, álbum de figurinhas, gibis… Ao longo do tempo eu fui aprimorando. Cheguei a colecionar Fuscas! E um belo dia eu descobri a arte. Depois de um tempo de formada foi que comecei a frequentar galerias, museus e estudar até pela internet. E eu passei a conviver com pessoas do meio da arte. 

O Otimista – E de onde veio a ideia de colecionar obras que remetessem à Monalisa?

Veridiana – Por ocasião de uma viagem pela Europa, eu comecei a ter vontade de ter obras que eu passei a apreciar. Eu fiquei muito impactada pela Monalisa quando visitei o Louvre. Tudo tudo lá é muito grandioso. Mas eu fiquei muito impactada com a cena que se vê no Louvre: aquele caminho que parece uma fila de formigas caminhando em direção à sala da Monalisa. Tudo no Louvre leva a ela – e talvez a maior parte do público vai vê-la. Cheguei a passar três dias observando o comportamento das pessoas ao ver a Monalisa. Fiquei muito tocada com aquela energia, aquela força que uma obra de mais de 500 anos ainda tinha sobre as pessoas do mundo inteiro: parece uma torre de Babel. Comecei a me perguntar: “O que essa obra tem de tão especial que faz essas pessoas todas estarem aqui?” Monalisa é uma obra cobiçada, desejada e tem toda uma história. Ataques, roubo, a história do Leonardo da Vinci. Aquilo talvez tenha ficado impregnado em mim. Passei a comprar nas lojinhas dos museus e acabei vendo Monalisas espalhadas em vários locais ao longo de Paris. Você encontra estudantes de Belas Artes fazendo desenhos nas calçadas. Monalisa tem uma força e uma intenção de ser refeita, ser reproduzida. Acabei comprando algumas releituras feitas por esses estudantes, por artistas de rua. Então eu cheguei a Fortaleza, retornei para casa e fui desfazer a mala. E descobri que eu tinha trazido oito Monalisas e aquilo me soou um pouco estranho: “Nossa, oito Monalisas!”. Eu não tinha contabilizado. Após essa viagem, eu descobri que aquilo poderia ser o começo de uma coleção. A partir daí eu continuei indo a exposições, conhecendo artistas. Eu conhecia um artista que tinha uma identidade própria, alguma técnica que era sua marca. “Esse artista eu quero ter. Já pensou? Uma Monalisa nessa técnica?”. Acabei fazendo encomendas a artistas de Fortaleza e de outras cidades. Monalisa como o tema de uma coleção tem uma força. Então fazer uma coleção de releituras da Monalisa para mim sempre teve essa intenção de me comunicar com o público porque, como colecionadora desde a infância, eu sempre tive o interesse de mostrar minhas coleções, ao passo que a maioria dos colecionadores tende a guardar. Então, quando eu comecei a colecionar as Monalisas, desde o início o meu objetivo foi provocar esse encantamento no outro. Aquele encantamento que eu tive quando comecei a me encontrar com a arte, a conhecer a arte, a visitar a arte. A ter Arte.

O Otimista – A paixão por Monalisa mostra a relevância da pintura através dos séculos. O que você vê quando olha a obra original?

Veridiana – Quando eu olho a obra original, me sinto perto do Leonardo da Vinci. É imaginar aquela obra embaixo de seu braço, ao longo de sua vida, por todas as vezes que ele mudou de cidade. Sempre quem transportava a Monalisa era ele mesmo. Quantos anos ele passou pintando, fazendo pesquisas e camadas. Foi uma das primeiras obras que ele colocou a técnica de sfumato. Ele é um ídolo para mim, um gênio da humanidade, um arquétipo do Renascimento, um homem que dominou muitas práticas e teve muito conhecimento e sabedoria. Eu acho incrível o que ele fez sem ter uma máquina fotográfica. Eu sei que a maioria das pessoas está lá (no Louvre) pura e simplesmente para fazer a sua selfie e dizer: “Estou aqui!” Então ver a Monalisa é um laboratório para mim; e um encontro com Leonardo da Vinci.

O Otimista – E quando olha as diferentes releituras? O que sente?

Veridiana – Quando eu olho as releituras eu só consigo ver o artista que fez a releitura. Eu consigo ver sua criação, ver a sua técnica, definir seu material, ver a sua interpretação. É quase como uma análise curatorial. Porque quando um artista faz uma pintura, é um estudo. E a releitura é muito importante, pois funciona como um estudo. Mas para um artista fazer uma releitura de um de uma obra de arte tão interpretada como a Monalisa, sabe-se que tanto provoca uma aversão como provoca um desejo. Elas existem historicamente. Monalisa tem muito meme, é midiática e muito usada em apelos publicitários. É isso que a torna a obra de arte mais famosa do mundo. Meu objetivo para coleção é sempre expor culturalmente e artisticamente aquele artista que eu desejei ter na coleção.

O Otimista – Monalisa é uma peça emblemática por si só, que desperta diversas conspirações e teorias: autorretrato de Da Vinci, retrato da própria mãe, um amante, uma modelo grávida… Acredita em alguma delas? Qual?

Veridiana – Eu gosto que existam várias teorias, mas não sei se estou muito interessada em descobrir qual é a teoria verdadeira. Estudei, li muito, fiz uma viagem pelos passos de Da Vinci, do seu local de nascimento até o seu local de morte. Mas o que me chamou a atenção em toda a história foi a relação dele com a mãe. Ele foi afastado da mãe ainda criança para viver com o pai. Ele era um filho bastardo e o pai era de uma família que tinha mais condições.

O Otimista – Muitos críticos de arte não consideram essas releituras como Arte. Para você, o que é Arte? E o que faz esses críticos não gostarem dessas representações?

Veridiana – Eu acho que a releitura tem sua importância. Ela é utilizada ao longo da história da arte como referência, e as referências estão em toda parte. Servem de treinamento de técnicas, de materiais. Quantos artistas não devem ter iniciado sua carreira pelas releituras? As releituras têm uma importância tão grande no poder educativo que são utilizadas nas escolas para sensibilizar as crianças. Então eu acho que é uma questão de ponto de referência, é uma questão de posição.

O Otimista – Depois de um período de isolamento social provocado pela pandemia de Covid-19, falou-se muito da necessidade da arte em nossas vidas. Você sente isso? Acha que as pessoas estão procurando entender mais suas subjetividades?

Veridiana – Eu acredito que sim. A arte foi companhia, foi ocupação para muita gente que teve que ficar em casa nesse período pandêmico. Eu mesma me ocupei demais. Fiz o livro da Monalisa durante a pandemia. Passei mais de um ano escrevendo o livro, mantendo contato com os artistas, tomando informações, fazendo pesquisas, assistindo lives, conhecendo novos artistas… Eu acho que a população, de modo geral, acabou tendo tempo de parar, observar e despertar. E isso é bom! Acredito no poder de cura da arte, no poder da salvação, no poder de ajudar espiritualmente, fisicamente. A Arte é para sempre.

O Otimista – Agora falando de ‘Novos Olhares para Monalisa’, que tem por curadora a Andréa Dall’Olio. De onde surgiu a ideia da exposição, lá em sua primeira edição?

Veridiana – Os critérios para a coleção seriam de ter artistas de técnicas diferentes, de linguagens diferentes e de estilos diferentes, com materiais diversos, suportes diversos e de cidades, estados e países diferentes. Então eu fui definindo, dentro da coleção, as classificações e subclassificações. E isso ocorreu desde o princípio, porque o meu desejo era que a coleção tivesse um caráter educativo, que conseguisse ser uma amostra, como se fosse um mostruário dessa arte de modo que eu pudesse, através de uma exposição, mostrar para as pessoas essa essa diversidade. Comecei também a querer ter ícones representados na figura da Monalisa: um ícone representando outro ícone. Comecei também a querer representar fatos do nosso folclore, da nossa cultura, do nosso regionalismo. O meu desejo era, desde o início, fazer exposições especialmente para crianças, por ter tido intimidade com a arte tardiamente; eu quis ser um agente dessa possível realidade para outras crianças. De alguma maneira, dentro da temática da Monalisa, surgiu a importância dessa seleção ser educativa. Então ia fazendo cortes. Chegamos a apresentar exposições só de arte contemporânea sobre papel, Monalisa em gravuras, Monalisa e o lúdico, entre o pop e o contemporâneo, a cultura nordestina, Monalisa e o regionalismo, arte têxtil, arte naif… Aí, logo depois que a coleção começou a ter um corpo, eu comecei a procurar locais para expor. Não foi fácil: muitas portas se fecharam. Mas eu sou muito persistente. E em um certo momento nós recebemos um convite para fazer a primeira exposição.

O Otimista – O que você tem percebido dos visitantes em suas visitas? Como eles reagem às obras?

Veridiana – É muito gratificante. É inenarrável a energia que se vê numa abertura de exposição das Monalisas ou numa visita de colégios. Eles entram e se surpreendem. É impressionante a relação que os visitantes têm com a coleção com essas releituras de Monalisa. É uma exposição que movimenta as pessoas e consegue tirá-las de casa, da cadeira, de frente da televisão. Eu gosto de ficar na exposição caladinha sem dizer quem eu sou, sem me identificar, pura e simplesmente para observar essa interação das pessoas. De vez em quando, um fala assim: “Essa sou eu!” Às vezes, em grupos de amigos, cada um escolhe a sua (Monalisa), faz a pose, tiram a foto e dão gargalhadas. Então é uma energia muito boa, sabe? É muito gratificante. Tudo vale a pena quando vejo essa resposta do público.

O Otimmista – A exposição tem patrocínio do Grupo Marquise e do Grupo Hapvida, mas também do Ministério do Turismo. Com queda de 10% no investimento público em todo o País, acredita que o Estado deve investir mais na produção artística?

Veridiana – Com certeza! A cultura demanda essa atenção do governo. Eu sou muito grata por ter uma lei de incentivo. Através dessa sensibilidade de dois patrocinadores gigantes que, sem eles, nada disso estaria acontecendo, que foi o lançamento do livro e essa abertura magnânima. Nós tivemos mais de 700 pessoas na abertura da exposição: pessoas que nunca tinham ido, pessoas que já são fãs, pessoas que eu não conhecia. Acabou atingindo um público geral. Foi muito surpreendente porque normalmente, na abertura, estão presentes os artistas, os amigos, os parentes, a família, né. Foi um momento histórico. Eu espero que, daqui para a frente, a gente continue tendo esse apoio porque, até então, tudo aconteceu com recursos próprios. Nunca havia tido apoio empresarial nem governamental. O incentivo privado foi muito importante, seja empresarial ou pessoal. Eu sou muito feliz por nunca ter desistido de buscar alcançar o desejo de expor essas Monalisas e trazer alegria ao público, tocar corações, despertar a Arte principalmente naqueles que ainda não foram despertados.

O Otimista – Já que a exposição também tem obras de artistas cearenses, como você vê o cenário artístico local? A produção artística para os próximos anos lhe parece promissora?

Veridiana – O livro que foi lançado, o das Monalisas, é um recorte da produção artística local, o cenário que pode servir como uma pesquisa dos artistas que fazem parte da coleção. Sendo que a gente tem uma gradação desde o Hélio Rola, passando pelos grandes artistas da década de 80, 90 e artistas novos. Sempre busco ter artistas novos ou inovadores na coleção, me valendo dessa capacidade que a coleção tem de ser uma vitrine de artistas. E eu vejo essa vivência na nossa cidade, quando se percebe que vai ter, no mesmo dia, três inaugurações em locais diferentes, de artistas diferentes, de estilos diferentes. São diamantes da arte. No dia da palestra das Monalisas, que fizemos recentemente, havia outras duas aberturas de exposição e as pessoas estavam fazendo um tour tentando passar por todos os eventos. Então existe essa efervescência. Muita gente nova, muita gente boa despontando no cenário nacional e internacional. Eu quero que a Arte exploda na cidade, que seja muito difundida, muito difusa e que atinja o máximo possível de público. Porque, sim, é o público que fomenta tudo isso.

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